“Na casa aqui ao lado, o vizinho morreu. Em casa mesmo, abraçado com a esposa. Começou a se sentir mal há uns dias, e ontem ficou sofrendo, cansado. A esposa disse que levaram o corpo dele para o Instituto (Médico Legal). Ela foi assinar uns papeis e nem viu quando ele foi enterrado. Já uma criança aqui do outro lado tem estado com diarreia. Toma água da torneira lá do outro lado que a gente pega”, contou a senhora Joana. Seu nome é fictício, mas o relato verídico aconteceu na última quarta-feira, 10 de junho, na comunidade que vive às margens da Lagoa Mundaú, local conhecido pela intensa poluição causada pelo descaso estatal e ausência de saneamento. A negação sistemática de políticas públicas mínimas àquela população a coloca em ainda maior risco dentro de uma Maceió que hoje segue como a cidade que detém o avanço mais rápido de Coronavírus em todo o país.
O diálogo acontecia enquanto militantes da Resistência Popular Alagoas instalavam lavatórios populares no local. A ação de apoio mútuo é vinculada à Campanha de Luta por Vida Digna, realizada por tendências da Resistência Popular, Movimentos de Organização de Base, e diversas organizações populares no país, e tem como principal lema: “Nossa Força Move o Mundo”. Para saber mais detalhes, clique aqui. Em Alagoas, estado que sucessivamente figura os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Nordeste, entre outros indicadores sociais, a Campanha acontece através de atividades formativas online, e ações nas ruas, como colagem de cartazes e instalação dos lavatórios feitos com garrafões de água.
Em Arapiraca, foi realizada uma colagem na região do centro e do mercado público – locais onde trabalhadoras e trabalhadores permanecem submetidos a conviver em grande fluxo. Os cartazes estampavam materiais de pauta da Campanha de Luta por Vida Digna, em especial de cinco eixos de luta: Saúde pública e universal; Renda social digna; Abastecimento popular; Direitos ao povo preto e periférico; e Pelo fim da violência contra a mulher.
Já os lavatórios têm sido distribuídos na Zona Sul de Maceió, uma das regiões que mais sofrem com a falta de saneamento básico na capital alagoana. Segundo dados do Portal Trata Brasil, apenas 30,9% da população da capital recebe atendimento de coleta de esgoto, e só 31,5% do esgoto de Maceió recebe tratamento. A situação é ainda mais agravada em meio aos períodos de chuva, onde, além da pandemia do Coronavírus, reincide os surtos de dengue, zika e Chikungunya em trechos onde a ausência de condições dignas de vida acentuam a situação de risco da população.
A negligência contra a população em situação de rua, que também se abriga em terminais e praças, sequer é minimizada durante a pandemia. O Ministério Público Federal chegou a recomendar, ainda em abril de 2020 – que o Governo do Estado de Renan Filho e a Prefeitura de Maceió de Rui Palmeira elaborassem um plano emergencial para a população em situação mais vulnerabilizada, incluindo moradores de favelas e comunidades periféricas. Entre as medidas, orientava a garantia de abrigamentos, insumos como água e álcool em gel, máscaras faciais e copos descartáveis, além de instalação de pontos de água potável em todas as praças e logradouros públicos. Na prática, porém, mais de dois meses depois, nada foi encaminhado.
Nas ruas do Vergel, inclusive, o que mais se observa é o descaso com as vias públicas, crescimento de vegetação e acúmulo de água, aumentando ainda mais o risco de saúde pública. No terminal do Vergel, comerciantes reclamavam da situação: “fotografem esse mato aqui e denunciem. Água suja, parada, muitos insetos, escorpião, e para vir doença é um pulo”, recomendou um comerciante.
Lavatórios
Os lavatórios populares foram elaborados em meio a uma força-tarefa que contou com apoio de voluntários autônomos, e resultante ainda de doações realizadas com apoio da rede Periferia Maceió sem Corona, do Grupo de Pesquisa Nordestanças, do Instituto Ideal, do Cursinho Comunitário Quebrando a Banca, do Comitê dos Povos das Lagoas. Foram doados garrafões e recursos suficientes para construção de 50 lavatórios, com torneiras e sabão. O restante custeou, ainda, o total de dez cestas básicas que foram entregues de imediato à população residente na margem da Lagoa.
Na primeira etapa de distribuição dos lavatórios, foram instalados equipamentos nos terminais de ônibus do Vergel do Lago, em praças, e em diversos pontos situados nas margens da Lagoa. Em alguns locais, a ação contou inclusive com apoio da própria comunidade, seja com amarração dos arames, seja – conforme relatos posteriores – com instalação de tijolos embaixo dos lavatórios para reforçar a estrutura. De seu jeito, a população busca ferramentas por si só para enfrentar o período.
A despeito de preocupante situação de subnotificação, Alagoas registra oficialmente, neste sábado, 13 de junho, 20.887 casos e 723 óbitos, um índice de apenas 39% de isolamento social e, finalmente, uma grande ansiedade do empresariado local correspondida por Renan Filho – em reabrir o mais rápido possível – segmentos comerciais que ainda estão fechados.