Por Repórter Popular – SC
A Prefeitura de Samir Ahmad (sem partido) e do vice Rogério Medeiros (PSD) comprou algumas brigas com os servidores municipais de Laguna nos últimos meses.
Em 30 de agosto, um decreto alegando contenção de despesas trouxe impedimento à participação em cursos, viagens com diária e mesmo a pedidos de férias. O tema das contas públicas também repercute sobre o décimo terceiro dos servidores que, excepcionalmente, ainda não teve nenhuma parcela paga em 2023. No mês passado, a Prefeitura ainda apresentou dois polêmicos projetos de lei, buscando remover o direito adquirido pelo sindicato da liberação remunerada de um servidor e a extinção do órgão ambiental municipal, a Fundação Lagunense do Meio Ambiente (FLAMA), sem garantia de realocação dos analistas ambientais.
Laguna é um município relativamente pequeno no litoral sul catarinense, com menos de 50 mil habitantes, economia voltada para a pesca e o turismo, com pouco histórico recente de greves ou presença de movimentos sociais. O atual prefeito foi eleito pelo PSL, na onda do ex-governador Moisés e do ex-presidente Bolsonaro, que ainda teve maioria folgada dos votos lagunenses na eleição de 2022. Por esses motivos, a expectativa era de que uma ação contra o sindicato e o órgão ambiental local não encontraria grande resistência na sociedade.
Há pelo menos três mobilizações do sindicato que podem ter motivado a resposta da Prefeitura com o Projeto de Lei Complementar n. 0023/2023. No início de setembro, uma manifestação foi realizada para repudiar a demissão de 13 funcionários que eram concursados, mas não tinham a estabilidade por terem entrado nos cargos antes da Constituição de 1988. Embora a demissão decorra de uma decisão judicial, a Prefeitura foi criticada por não ter buscado a readmissão desses funcionários com décadas de serviço em outros cargos, ainda que fossem vagas de comissionados. Em outubro, um novo ato do sindicato reuniu mais de cinquenta agentes comunitários de saúde (ACS) e apoiadores cobrando o adicional de insalubridade que a Prefeitura não está pagando. Por fim, face à restrição do direito de férias aos servidores causados pelo Decreto n. 7017/2023, o sindicato fez denúncia formal de que foi permitido ao próprio prefeito pegar férias e obter um mês de afastamento para viajar, acarretando mais gastos para a folha.
Em relação à proposta de fechamento da FLAMA, também há indícios de que a medida pudesse ser uma forma de retaliação. O Projeto de Lei Complementar n. 0024/2023 foi enviado à Câmara de Vereadores, em regime de urgência, apenas dez dias após analistas do órgão terem emitido um parecer técnico solicitando o cancelamento da licença ambiental do loteamento Laguna Business Park, antigo Loteamento Santa Clara. O empreendimento é vinculado a Roberto Carlos Alves, empresário da região que possui notória proximidade com o grupo político da atual gestão. Essa hipótese, que começou a circular através de jornalistas e articulistas políticos de oposição na cidade, ganhou mais credibilidade após ser apresentada em uma denúncia formal à Câmara de Vereadores que continha quase 400 páginas de documentos anexos.
Caso essa lei fosse aprovada, os servidores da área de licenciamento ambiental poderiam ser distribuídos para outras pastas, deixados em disponibilidade ou mesmo ser exonerados, no caso daqueles que ainda estavam em estágio probatório. Uma página foi criada para denunciar a medida e defender que haveria prejuízo para todo o município caso se abrisse mão da capacidade de emitir licenças ambientais. A campanha obteve apoio do Fórum das Associações de Servidores Públicos do SISNAMA-SC, do Sindicato dos Servidores Públicos de Laguna e Pescaria Brava, do Conselho Municipal do Meio Ambiente e também de grupos ambientalistas e estudantis da região. No meio parlamentar, também houve apoio de parte da Câmara dos Vereadores do município e da Comissão de Turismo e Meio Ambiente da ALESC, presidida pelo Dep. Estadual Marquito (PSOL).
Quando os projetos foram propostos, o prefeito possuía uma base sólida com dez dos 13 vereadores da cidade. No entanto, a maré política começou a mudar à medida que diferentes denúncias de corrupção e favorecimento começaram a aparecer nas mídias locais e redes sociais. Além da acusação de que o fechamento do órgão ambiental era uma represália para favorecer um aliado, diferentes licitações públicas começaram a passar por escrutínio, identificando outras situações em que o mesmo empresário Roberto Alves ou pessoas próximas a ele podem ter se beneficiado. Na denúncia que obteve maior visibilidade, o vereador Kek (UB) demonstra o conteúdo de um kit de higiene bucal comprado pela Prefeitura por cerca de 600 reais a unidade, contendo pastas de dente vencidas e outros materiais simples, que não justificam o valor cobrado. Uma das empresas beneficiadas com a referida licitação é de Graziela Laureano, mulher de Roberto Alves. Em outras licitações na área da educação, também há suspeitas de valores superfaturados e empresas vinculadas aos mesmos agentes.
Com o aumento da cobrança pública por explicações, parte da Câmara de Vereadores mudou de postura. Em 06 de novembro, uma maioria simples aprovou um pedido popular para a criação de uma Comissão Processante que realizará investigação e pode decidir pelo afastamento do Prefeito Samir e do Vice-Prefeito Rogério. Frente à aparente perda de controle da Câmara de Vereadores e a crescente insatisfação popular, a gestão de Samir e Rogério precisou priorizar a defesa de seus mandatos e pediu, em 10 de novembro, o arquivamento dos projetos de retaliação ao sindicato e ao órgão ambiental. Com isso, estão assegurados a liberação remunerada da presidente do sindicato, a existência da FLAMA e os cargos dos analistas.
Ainda assim, o flanco aberto para escândalos na gestão não parece ter sido fechado. Na sessão subsequente da Câmara de Vereadores, realizada na última terça (14), foi aprovada por unanimidade uma Comissão Parlamentar de Investigação contra o Poder Executivo. Ela foi motivada por uma nova denúncia, desta vez de possível conluio entre o Secretário da Fazenda, Natanael Wisintainer, e a empresa Zona Azul, que ganhou edital para o serviço de estacionamento rotativo neste ano. A denúncia, que inclui até conversas de whatsapp, sustenta que o próprio edital foi produzido pela empresa e repassado ao Secretário, indicando nítido favorecimento.
Assim como ocorreu com as praias locais, o cenário político lagunense sofreu o impacto de uma verdadeira tempestade nas últimas semanas e ainda não se sabe quando haverá retorno às condições normais.
A foto da capa é de Elvis Palma e foi retirada do site Agora Laguna.
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