Assisti junto da minha companheira a dois filmes franceses da chamada Nouvelle Vague (em tradução literal, ‘nova onda’). Foi um movimento estético cinematográfico de forte influência global que pregava outro modo de fazer cinema, recusando, via de regra, a estética realista dos anos anteriores.
É claro que temos que ter precauções quanto a essas chamadas escolas estéticas, porque podemos cair na tentação de encaixotar a arte, que obviamente se recusa a isso. É que nem na literatura: não existe a sequência lógica e determinável que os livros didáticos apresentam, do tipo: primeiro vem o Barroco, depois o Arcadismo, depois o Romantismo, depois do Realismo, etc, etc. O que existem são tendências, e os artistas ora se encaixam perfeitamente naquilo, ora não, ora mais ou menos, embora tenham vivido no período histórico equivalente àquela escola.
Tudo isto para dizer que os longas A baía dos anjos (Jacques Demy, 1963) e Os libertinos (Jean-Pierre Mocky, 1959), que são filmes nouvellevagueanos, tem pouco da estética vanguardista no que tange à falta de realismo. (Entenda-se realismo como um modo verossímil de gravações de cenas, que olhamos e pensamos que uma cena na vida real poderia ser exatamente como esta.) Foi até surpreendente para nós ao vê-los. O primeiro poderia muito bem ser um filme de Robert Bresson ou de Claude Chabrol, de pegada realista, mostrando os mecanismos do vício (meio sem querer é bom lembrar o ótimo filme de Chabrol, Nas garras do vício, 1958), no caso de Demy, trata-se do vício em jogos de cassino, mas como bem lembrou Evelin nos nossos debates pós-sessão, e corroborado pelo próprio diretor em citação na sinopse do filme no Filmow, a película pode ser interpretada como o modus operandi de todo e qualquer vício.
Já Os libertinos tem um pouco mais da vanguarda antirrealista, porém em escala diminuta. Homens que assediam as mulheres na tarde/noite parisiense, o filme mostra o vazio existencial do protagonista no mundo moderno. Este filme talvez seja um dos precursores, já que nem da década de 60 é, ficando no limiar do novo estilo. Os libertinos enquadra muito bem o machismo daqueles anos 60, que mudaria anos depois, principalmente com o Maio de 68, embora por ser estrutural ainda persista em nossas sociedades.
Filmes interessantes, que pedem um passo atrás para o telespectador acostumado com um estilo que crê estático. Vale a pena conferir.
Rodrigo Mendes