O mundo caduco da nouvelle vague em Paris nos Pertence (1961)

Na década de 60 houve uma revolução no fazer cinematográfico em todo o mundo. Desde a França, berço do cinema a partir de Georges Méliès¹ e de onde vem o termo nouvelle vague² (nova onda), até o Japão, passando pela renovação do Cinema Novo no Brasil, as mudanças em relação ao que veio antes foram fortes e notáveis.

Paris nos Pertence (1961) de Jacques Rivette se passa no final da década de 50. Guerra fria e os horrores da segunda guerra, além de um capitalismo cada vez mais tecnológico e opressor assombram a sociedade, nesse caso a europeia. Essa é talvez uma das razões da ambientação dos filmes dessa época parecem um pouco estranhas, singulares e por vezes surreais (mas falaremos sobre isso adiante).

A narrativa tem como protagonista Anne, uma estudante (salvo engano de letras) que através de seu irmão conhece um grupo de artistas de teatro. Aquele velho embate de um arte independente e com aspirações revolucionárias e de caráter irreverente contra o capitalismo e o mercado que tendem a homogeneizar a arte visando o lucro está presente e com bastante peso no filme. A própria nouvelle vague, poderíamos dizer, evoca um pouco esse sentimento.

Assim como Nas garras do vício (1958), um dos filmes inaugurais do movimento, de Claude Chabrol, não são os problemas da/o protagonista que movem o filme, mas sim de outra pessoa qualquer, que acaba influenciando aquela/e ao longo da narrativa. Aqui, Anne move-se a partir de um acontecimento que nem sequer está no filme: o suicídio de um amigo daquele grupo de artistas que ela conhece no início do filme. Isso já é um fato importante para analisarmos a que o filme se propõe: tem algo de errado em não sabermos nada a respeito daquele cara e mesmo assim, durante 2 horas e 20 minutos de filme, acompanharmos ações e reações em torno disso.

Agora retomo o que falei lá em cima. Essa ambientação do espaço e das relações no filme (e em outros do período) parece refletir um sentimento de estranheza e medo frente ao mundo moderno. Esse mundo caduco, pateta³, que as e os personagens se encontram é criado de propósito através de diálogos sem noção e artificiais, além de o enredo, cheio de mistérios e furos (de propósito), de maneira a atingir certa claustrofobia e angústia em quem assisti o filme.

Depois de um tempo, a perspectiva do filme muda de foco, temporariamente, e se detém no amigo de Anne, diretor de teatro, Gerard. Ele se mostra deprimido, possivelmente pela tensão mercado x arte que falamos acima, causada pelo capitalismo. Ele é esmagado por essa lógica mercantil e absorve partes dela. Interessante ver depois, quando a peça é aceita em um grande teatro, como ele simplesmente descarta Anne, que faria um papel importante, em troca de uma atriz mais conhecida (a mando dos produtores). Absorveu e reproduziu o pensamento do mercado, e não hesitou em descarta-la.

Ao final, uma reviravolta no enredo traz à tona uma conspiração e mortes. Parece que vem a calhar. É tempo de pós Guerra e de Guerra Fria. Esses mistérios estão no ar. Aqui, servem para aumentar a desconfiança naquele mundo representado na tela. Nos desvia a atenção, certamente com esse propósito mesmo. Não vamos a lugar nenhum com ou sem aquela informação. O que fica, certamente, é um grande filme de Jacques Rivette, na ótica irreverente desse pessoal dos anos 60, que influenciou muita gente e deixou sua marca na história do cinema.

Rodrigo Mendes

 

*Esse texto foi escrito depois de uma conversa com minha companheira, Evelin Vigil, após a sessão do filme.

1- Primeiro cineasta a tornar o cinema arte e não mera gravação. Trouxe elementos estéticos muito avançados para época (tem mais de 500 curtas segundo o IMDB) e trabalhou com isso na virada do século 19 ao 20.

2- Termo criado na França para designar essa nova onda de cinema. Ao longo de vários países, grandes mudanças na forma e no conteúdo dos filmes puderam ser notadas.

3- Esse termo ‘caduco’ está em um ensaio de Antonio Candido, maior teórico da literatura brasileira, chamado “Inquietudes da poesia de Drummond”, no livro Vários Escritos. ‘Pateta’ foi dito acertadamente por minha companheira sobre a postura de Anne, protagonista do filme.