Dois anos do despejo da Lanceiros Negros

Até a data de 14 de junho de 2017, a esquina das ruas General Andrade Neves e General Câmara guardava a proposta para uma Porto Alegre mais humana, com dignidade para todas e todos. Ali, em um prédio público que ficou uma década vazio, quase cem famílias construíram a Ocupação Lanceiros Negros. No local, pessoas que não tinham dinheiro nem mesmo para o aluguel constituíram morada, organizaram creche e biblioteca de uso coletivo e até mesmo uma central de serviços para dar trabalho a moradores que estavam sem renda. No entanto, o sonho destas pessoas e a possibilidade para a Capital gaúcha iniciar um debate sério sobre direito à moradia foi destruído há dois anos.

Na noite em que foram expulsas, eram cerca de 70 famílias ainda morando no prédio. A operação de guerra montada pela Polícia Militar fechou vias de acesso, impediu a chegada de apoiadores e deixou crianças e idosos com seus pertences na rua. Algumas pessoas conseguiram abrigo no Centro Vida, espaço na Zona Norte da Capital, de onde mais tarde também teriam que sair.

Uma nova tentativa de ocupação seguiu os moradores, que se instalaram em um hotel, também no Centro, mas não durou muito tempo. Em 24 de agosto de 2017 houve nova reintegração de posse. Na ocasião, ocorreu uma negociação de aproximadamente 12 horas entre o Poder Público e as famílias. A necessidade de reconstruir a Lanceiros em outro local ficou latente um ano após os fatos ocorridos, quando apenas cinco das famílias despejadas conseguiram receber o aluguel social – benefício da Prefeitura que ajuda a pessoas de baixa renda a locarem imóveis.

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A maioria das famílias voltou a morar junto com familiares, em áreas de risco, e outras voltaram para o aluguel. Esta gente toda faz parte de uma história maior de muitas outras pessoas que sofrem com o descaso do poder público. Em uma matéria recente do site G1, soubemos que o Governo do RS tem ainda 71 imóveis ou terrenos sem uso algum somente em Porto Alegre.

Em 2017, a justificativa do Governo gaúcho, dono do prédio que fora usado pelo Ministério Público até 2006, foi que a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) usaria o espaço. Nos dias que seguirão o desalojo, Polícia Militar e uma empresa privada de segurança, paga com dinheiro público pela EGR, rondaram o local para evitar que as famílias voltassem. O que realmente aconteceu, no entanto, foi que no aniversário de dois anos da brutal ação policial para desocupação o prédio ainda estava sem utilidade, se deteriorando, onerando os cofres públicos e não servindo a ninguém.