QG Sem Terra em Encantado, solidariedade e ação

Chuvas no RS – atingidos são rodeados de solidariedade do povo – frente ao descaso e destruição ambiental

Após a devastação causada pelas fortes chuvas e enchentes do rio Taquari e Antas, uma rede de solidariedade emergiu para enfrentar a calamidade e apoiar milhares de desabrigados na região. O fenômeno ampliado pela crise climática e pela falta de políticas preventivas, deixou uma marca inesquecível na vida das comunidades afetadas.

Por Repórter Popular – Porto Alegre (RS)

O aumento da frequência de eventos climáticos extremos é uma realidade inegável e alarmante, agravada pela crise climática global. Previsões já alertavam para o registro de temperaturas mais elevadas na atmosfera do planeta. O que ocasionou ainda em junho de 2023, registros de altas temperaturas no mundo inteiro, levando ao dia mais quente já registrado na história. Além disso, a formação do fenômeno natural El Niño prevista para este ano, por si só, já representava maior volume de chuvas no sul do Brasil. Porém, o fenômeno foi amplificado pelo aquecimento global.

Em junho, o Rio Grande do Sul testemunhou a devastação causada por um ciclone extratropical e chuvas excepcionais no vale do rio Maquiné e no rio dos Sino, levou a 48 horas de fortes chuvas, chegando acumulado de 300mm de chuva em algumas regiões. Houve a morte de pelo menos 16 pessoas, somando-se o Litoral Norte e o Vale do Rio dos Sinos, além da destruição de diversos municípios da região.

A população acreditando que o pior já havia passado foi novamente surpreendida, mesmo após os alertas da MetSul, quando na última semana o estado foi castigado por uma forte chuva que gerou uma devastadora enchente na região do vale do Taquari.

Os números impressionantes contam parte da história :até o momento há 48 vítimas fatais,  8 desaparecidos e 20.988 desalojados pela destruição parcial ou total de inúmeras residências. Comunidades inteiras e municípios enfrentam a devastação, e os danos psicológicos, perdas de animais e plantações, prejuízos econômicos e perdas ambientais significativas são apenas algumas das dimensões dessa tragédia. Em meio a essa crise, a solidariedade vem sendo essencial para todo tipo de ajuda às vítimas.

Entre essas iniciativas há em Encantado, as cozinhas solidárias montadas pelo MST, envolvendo militantes e apoiadores. Conversamos com uma militante do MST, assentada na região metropolitana de Porto Alegre, que participou alguns dias dessas ações no QG Sem terra em Encantado, “solidariedade e ação”.

“Estamos desde o dia 06 de setembro no Vale do Taquari, produzindo marmitas com os alimentos enviados por assentamentos. Trata-se de um trabalho organizado por escala em toda região metropolitana. Trabalhei na arrecadação e produção, o cenário é muito triste! Através da solidariedade, da alimentação saudável e  da produção alimentar que respeita a natureza, mobilizamos essa ação. Entendemos que esses desastres são potencializados com usos de agrotóxicos, desmatamento e desvio do curso dos rios. É preciso denunciar e investigar essas relações”.

QG Sem Terra em Encantado, solidariedade e ação
QG Sem Terra em Encantado produz alimentos e apoia pessoas atingidas pela enchente e a comunidade local

A ação do MST ocorre há mais de 15 dias e estava programada oficialmente até o dia último dia 17 de setembro. A partir dessa data, segundo a entrevistada, o movimento se reúne com lideranças e a população local, debatendo sobre a demanda pelo trabalho, para saber se continuam ou não. Contudo com a informação de que as chuvas deverão continuar essa semana, já houve a decisão na comunidade da cozinha seguir operando. 

O coletivo cultural Noiarte, também vem fazendo ações de arrecadação para apoio material às pessoas atingidas na cidade de NH na região do Vale dos Sinos, mobilizando uma rede de doações e solidariedade, levando para a sede do Corpo de Bombeiros de NH, que está apoiando com a distribuição em Roca Sales.  Assim como esse coletivo, muitas outras organizações coletivas de solidariedade surgiram para apoio e amparo às perdas.

Ações como essa são muito importantes e restituem alívio e diminuem o desconforto e a intensidade do trauma às pessoas que perdem parentes, amigos, casas, pertences. Em todo caso, parece ser importante investigar descasos e imprudências, assim como refletir publicamente sobre a política extrativista e destruidora do meio ambiente.

Em Bento Gonçalves, segundo matéria publicada em outro portal de notícias, a Procuradoria Geral do Município (PGM), questionou a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) sobre fiscalização, multas e acompanhamento da barragem Companhia Energética Rio das Antas (Ceran), no intuito de analisar os últimos 5 anos de ação fiscalizadora.

Ações como essa são importantes para que as instituições possam dar força a essa pauta, evitando que assuntos como Brumadinho e Mariana ocorram novamente, e que as empresas sejam responsabilizadas pelos efeitos e danos à comunidade e à natureza, e que essa lógica de produção também seja questionada.

No entanto, movimentos sociais também tem seu papel de organização e combate frente essas dificuldades. Com a consigna “não adianta sobrevoar de helicóptero sobre os nossos corpos”, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) lança uma comunicação onde apontam elementos de crítica como a presença de 9 mil barragens no território do RS – muitas em situação de abandono ou necessitando manutenções; assim como a revogação pelo Governador Eduardo Leite, da Política Estadual de Direitos das Populações Atingidas por Barragens, que tinha ações preventivas e reparadoras para essas situações.

Movimentos sociais, chamam a atenção para questões que põem em debate o fator “acidente climático”, termo que enfatiza o acaso, como se fosse apenas uma situação imprevisível. Essa característica não questiona outras possíveis causas dos desastres como agravantes relacionados:

1) a política do extrativismo desenfreado, este que gera empobrecimento e destruição do solo, mudanças nas áreas de vegetação e floresta, alterações na estrutura das margens dos rios;

2) as atividades da mineração e  de alterações significativas no meio ambiente;

3) a ênfase na produção energética por barragens que destroem zonas florestais e áreas diversas, desviam cursos dos rios;

Enquanto isso, o governo unido à vários setores econômicos “reza”  a cartilha da “tragédia natural”, como forma de afastar parte suas responsabilidade ou despreparo diante das mudanças climáticas e à destruição ambiental. No fim, quem paga o custo é a população mais vulnerável.