No dia 28 de novembro de 2023, professoras e professores do município de Gravataí fizeram paralisação de dois dias contra um projeto de lei municipal que retirava acréscimos salariais conforme nível de escolaridade.
Por Repórter Popular RS
Conversamos com Guilherme, professor do município há mais de 10 anos que participou dessa paralisação e nos conta um pouco mais, sublinhando que a paralisação tensionou a aprovação do projeto e conseguiu criar alternativas conforme demanda de trabalhadores envolvidos, assim como destacando outros aspectos positivos dessa paralisação.
Repórter Popular(RP): Quais os motivos que levaram à greve dos professores municipais de Gravataí?
Guilherme(G): “A greve foi uma resposta à tentativa do governo de praticamente extinguir o plano de carreira dos professores municipais de Gravataí. Digo isso porque o governo havia protocolado na câmara de vereadores um projeto de lei (PL 79) que acabava com a diferença salarial de 10% conforme o nível de escolaridade. Na prática isso iria impactar diretamente professores com graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado provocando um congelamento dos salários.
O governo tentou justificar a alteração do plano de carreira para que pudesse pagar o piso nacional do magistério. No entanto, isso desconstitui a própria lógica do piso como salário inicial da carreira quando não reconhece os demais profissionais a partir da valorização conforme o nível de escolaridade.
Portanto, diante da ameaça real com o PL 79 na câmara de vereadores, os trabalhadores em educação decidiram em assembleia geral convocada pelo Sindicato dos Professores Municipais de Gravataí (SPMG) deflagrar a greve”.
RP: Você avalia que a greve teve resultados imediatos?
G: “A greve resultou na substituição do PL 79. Na terceira negociação com o sindicato, desde que a categoria havia decidido pela greve, o governo apresentou uma nova proposta. Nela, o governo se compromete a pagar o piso do magistério a partir de janeiro de 2024 com uma alteração na diferença entre os níveis de escolaridade para 7%. Dentro dessa mesma alteração, o sindicato fez a contraproposta de ir recompondo em 1% a cada ano a diferença entre os níveis para que o plano de carreira seja recomposto nos padrões atuais até 2027”.
RP: Qual a sua avaliação sobre essa greve?
G: “Foi uma greve curta. Durou só dois dias. Porém, relativamente vitoriosa no curtíssimo prazo. Considerando todo o processo de mobilização e a resposta do governo, a última assembleia decidiu e votou por aceitar a proposta, apesar de que não fosse a ideal. Votei junto com o meu setor de trabalho pelo aceite da proposta e pelo fim da greve porque entendemos que não havia mais condições de sustentar a paralisação.
No entanto, gostaria de colocar a avaliação da greve dentro de dois marcos de tempo maiores: Um de curto prazo considerando os últimos meses que mobilizaram a luta pelo piso em Gravataí. Outro seria de longo prazo, uma avaliação que faço a partir da minha trajetória pessoal como trabalhador em educação da região do Vale do Gravataí desde 2008.
Iniciando pela avaliação de longo prazo, no ano de 2008 tive a felicidade de passar nos concursos que haviam aberto para os municípios de Cachoeirinha e de Gravataí. O salário base de professor graduado em Gravataí naquele edital de 2008 era cerca de 30% superior ao de Cachoeirinha para uma jornada semanal de 20h em ambos.
Neste ano, por exemplo, estou com uma jornada de trabalho semanal de 30h em Gravataí e chego exatamente ao mesmos vencimentos que tenho com 20h de trabalho no município de Cachoerinha. Pergunto: o que houve com os nossos salários em Gravataí? Respondo que não há explicação mágica e se olharmos ainda pelo aspecto econômico, a cidade de Gravataí é a quarta mais rica do Rio Grande do Sul.
Portanto, pela minha vivência lhes digo que a luta sindical explica essas diferenças. Se somar na ponta do lápis a quantidade de paralisações e greves que vivi no município de Cachoeirinha calculo tranquilamente mais de 100 dias no período entre 2009 e 2017 quando tive a oportunidade de participar ativamente como delegado sindical e depois em duas gestões da diretoria do Sindicato dos Municipários de Cachoeirinha.
Nesse período todos os governos foram autoritários, cortavam o ponto e rompiam negociações com o sindicato quando bem entendiam. Vejo que a questão central aqui é a concepção sindical que foi construída nesse período com democracia de base, ação direta, independência de classe e solidariedade de classe.
Por outro lado, vejo que em Gravataí a política da CUT no SPMG construiu uma cultura sindical distinta. A quantidade de paralisações e greves nesse mesmo período talvez não chegue a 30 dias. Desde o impeachment em 2011 no governo Rita Sanco do PT houve um arrocho salarial dos servidores públicos que levam hoje a uma despesa de pessoal que chega a cerca de 42% da receita enquanto que o limite poderia chegar ao texto de 54%. Ou seja, o sindicalismo teve imensas dificuldades em dar resposta às políticas de austeridade dos últimos governos e isso produziu de certa forma uma mentalidade derrotista no conjunto dos servidores públicos municipais. Esses fatores tiveram certo peso na dificuldade encontrada em mobilizar os colegas para a greve.
Fazendo uma avaliação de curto prazo, neste ano de 2023 e mais especificamente a partir de agosto, além do sindicato organizar ações pelo pagamento do piso, um coletivo intitulado @profesgravataí agitava a pauta pelas redes sociais e provocava a categoria a se mobilizar. Em diversas situações houve quem acusasse de divisionismo essas iniciativas, mas a realidade concreta é a de que o exemplo de gente disposta a lutar acabou servindo de oxigênio para impulsionar a luta do próprio sindicato.
Avalio que essas manifestações organizadas ou não pelo sindicato levaram o governo a acelerar o seu propósito de atacar o nosso plano de carreira. Com a greve em pauta, todos que de alguma forma estavam se mobilizando ajudaram a construir o movimento grevista e sem essa unidade com certeza os resultados poderiam ter sido bem piores. Por fim, fica o desafio para o próximo ano da categoria dos professores municipais de Gravataí em construir uma greve pela recomposição das perdas salariais. Afinal de contas, a greve não é blefe e tampouco serve como chantagem, pois se trata de uma arma histórica em que trabalhadores e trabalhadoras agarram o destino com as próprias mãos.”
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