Em um ano, adutoras de água se romperam seis vezes causando destruição e deixando desabrigados na região metropolitana do Rio de Janeiro

Por Repórter Popular RJ

No final do mês de novembro deste ano, um dos mais quentes já registrados na história, duas adutoras de água se romperam em um intervalo de dois dias na região metropolitana do Rio de Janeiro. Adutoras são tubulações de água destinadas ao transporte em grande volume das estações de tratamento até os reservatórios de distribuição, antes de a água ser distribuída para a população. Como são tubulações de alta pressão, seus rompimentos provocam uma explosão e a formação de um enorme chafariz de água, deixando uma cratera e alagamentos nos arredores, além de provocar o desabastecimento das localidades atendidas pela adutora rompida.

O caso mais recente de rompimento de adutora foi no dia 30/11 em Campo Grande, bairro da Zona Oeste da capital fluminense, em que uma adutora de água que passa pela localidade, administrada pela concessionária privada Rio+ Saneamento, se rompeu e alagou diversos imóveis da região, destruindo a mobília e os pertences de vários moradores. Essa mesma adutora já havia se rompido em outro ponto, na altura da Estrada do Medanha, no ano de 2013, quando ainda era administrada pela CEDAE, companhia estatal do Estado do setor de saneamento; e deixou, na época, não apenas o mesmo rastro de destruição material, mas também matou uma menina de 3 anos de idade e deixou 13 pessoas feridas.

O segundo caso, ocorrido na madrugada do dia 28/11, foi em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, em que uma adutora administrada pela concessionária privada Águas do Rio se rompeu no bairro do Km 32, alagando casas, destruindo móveis e bens da população, e afetando o abastecimento de água em três cidades: Nilópolis, São João de Meriti e a zona norte da capital fluminense. A mesma adutora chegou a se romper, causando os mesmos estragos, em maio deste ano e em março de 2022. Neste terceiro incidente, uma moradora chegou a precisar de atendimento médico, por ter passado mal após ver sua casa sendo destruída pela terceira vez da mesma forma.

Essas duas ocorrências se contabilizam como o quinto e o sexto episódios de rompimento de adutoras de água de que se tem notícia em um intervalo de um ano na região metropolitana do Rio de Janeiro. Para além do rompimento da mesma adutora de Nova Iguaçu em maio deste ano, houve o rompimento da adutora da Estrada do Lameirão, no bairro de Santíssimo, também na Zona Oeste da capital e administrada pela concessionária Rio+ Saneamento, que causou uma correnteza na rua deixando feridos, bem como destruiu as casas dos moradores e deixou 28 famílias desabrigadas. Esta mesma adutora da Estrada do Lameirão também já havia se rompido em 2018, ocasião em que os alagamentos comprometeram a estrutura de seis casas, destruiu carros e outros bens da população, repetindo o mesmo episódio que também já tinha ocorrido em janeiro de 2017. Nos anos de 2018 e 2017, a adutora em questão ainda era operada pela CEDAE, mas com ela já em vias de ter suas atividades concedidas à iniciativa privada, como ocorreu nos anos subsequentes.

Cratera deixada pelo rompimento da adutora na Estrada do Lameirão, em Santíssimo, em março deste ano.

E como se não bastasse, houve também outros dois episódios de rompimentos de adutoras de água no último ano, ambos de dezembro de 2022: uma no complexo da Maré, na Zona Norte da capital; e outra entre os municípios de Duque de Caxias e Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Em ambos os casos, as adutoras também eram administradas pela concessionária privada Águas do Rio, e os seus rompimentos afetaram o abastecimento de água na favela da Maré e na Baixada Fluminense.

Crimes de injustiça ambiental

Alagamento decorrente do rompimento da adutora na Estrada do Lameirão, em Santíssimo, 2018.

Os rompimentos de adutoras de água, especialmente em contextos urbanos, são verdadeiros crimes ambientais, por provocarem muitas vezes inundações em várias ruas, alagando casas e destruindo tudo que há dentro delas, quando não comprometendo permanentemente as estruturas dos imóveis ou deixando mortos e feridos.

Tais ocorrências não podem ser chamados de “meros acidentes” vistos que são perfeitamente evitáveis com a devida manutenção das infraestruturas por parte de seus operadores, bem como pela fiscalização do poder público. Porém, as manutenções e as fiscalizações são sempre negligenciadas quando se tratam de áreas periféricas, tanto que tais ocorrências, via de regra, sempre atingem justamente as populações mais pobres. Foi exatamente o que ocorreu nos seis episódios de rompimentos de adutoras no último ano na região metropolitana do Rio.

Sem os investimentos adequados, as localidades periféricas — nas quais as populações costumam ser em maioria negra e pobre — acaba ficando a mercê de serviços públicos precários, o que também leva a desastres como os rompimentos de adutoras, afetando muito gravemente a vida de várias pessoas. Isso ocorre não só no Rio de Janeiro e no setor de saneamento básico, mas em todo o Brasil e em todos os serviços públicos, como de energia elétrica, fornecimento de gás, dentre outros. Depois que ocorrem os desastres, nem as prestadoras dos serviços e nem o poder público costumam atender devidamente às necessidades da população atingida.

Precarização dos serviços é agravada pela desestatização em prol das empresas privadas

Um fator que tende a agravar muito esse cenário de negligência é quando os serviços não são prestados pelo poder público, mas, sim, por uma empresa privada. A despeito do argumento geralmente utilizado de que a desestatização “atrai investimentos” e possibilita uma prestação “mais eficiente”, o que na prática tem ocorrido nas últimas décadas é que a prestação por empresas privadas eleva exponencialmente as tarifas sem que as concessionárias cumpram com os investimentos acordados para a melhoria dos serviços.

No caso do saneamento do Rio de Janeiro, os serviços foram retirados da empresa estatal CEDAE e transferidos para três concessionárias privadas nos anos de 2021 e 2022: a Águas do Rio, a Rio+ Saneamento e a Iguá Saneamento. Este é o cenário que resultou em, no último ano, seis ocorrências de adutoras se rompendo — algumas pela terceira vez — só na região metropolitana do Rio. Já o governo do Estado do Rio de Janeiro, sob a gestão de Cláudio Castro, não define adequadamente os investimentos a serem realizados para se evitar desastres como esses e nem fiscaliza devidamente as concessionárias privadas, agravando ainda mais a situação.

Em 2020, foi aprovada uma nova política de saneamento básico nacional, por meio da Lei Federal nº 14.026/2020, que busca impor a todos os Estados e Municípios que deixem de prestar por si mesmos os serviços de saneamento, por meio de empresas estatais, e os conceda para empresas privadas prestarem. Nesta mesma semana, na quarta-feira do dia 06 de dezembro, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou, sob fortes protestos da população (que foram duramente reprimidos pela Polícia Militar) um projeto de lei autorizando a privatização da Sabesp, empresa estatal de saneamento de SP, a maior companhia de saneamento da América Latina e uma das maiores do mundo em população atendida.

Sem que haja uma forte mobilização popular, com movimento sociais urbanos organizados em prol da luta pelo direito à cidade e ao saneamento básico adequado para toda a população, a tendência é que as privatizações e desestatizações dos serviços avancem, elevando as tarifas, piorando a qualidade e causando ainda mais crimes ambientais como os dos rompimentos das adutoras.