Na manhã do último sábado (25/04), moradoras e moradores da comunidade Santa Cruz em Araucária (município da região metropolitana de Curitiba) foram surpreendidos com um brutal ataque realizado pela Guarda Municipal. Sem qualquer aviso, os guardas utilizaram um trator para demolir as casas, além de disparos de tiros de bala de borracha contra moradoras e moradores. Segundo relatos de moradores, guardas entraram violentamente de casa em casa, anunciando a ordem de despejo. Como mostram vídeos e fotos da ação, inúmeras pessoas ficaram feridas, e o auxílio médico demorou cerca de 40 minutos para chegar ao local.
Segundo reportagem publicada no Brasil de Fato a Guarda estava cumprindo ordens, destruindo novas construções no terreno que é área de preservação ambiental. A Guarda Municipal classificou tal ação como inevitável. Nessa mesma semana, houveram graves violações em comunidades de Florianópolis e São Paulo.
Santa Cruz está em Área de Proteção Ambiental, localizada próximo à represa do Passaúna. Esta informação é o principal argumento utilizado para que a reintegração de posse seja executada. Isso não é novidade, os motivos que levam as famílias a ocuparem são sempre encobertos e silenciados. Os argumentos contrários às ocupações ganham voz e selo de verdade incontestável. Afinal, como contestar a propriedade privada de alguém? Ou mais difícil ainda, a agressão ambiental?
Devemos lembrar que proteção à áreas ambientais são seletivas, ou seja, escolhidas pelo Estado. Portanto a ocupação é permitida em alguns casos. Porém, situações ilegais também são suportadas, e por que não dizer: incentivadas. Um passeio rápido no entorno do Passaúna nos mostra condomínios, chácaras e plantações mais próximas do Passaúna do que a própria Ocupação Santa Cruz.
A questão não é comparar uma ocupação urbana, como Santa Cruz, a uma chácara de pequenos produtores, mas sim expor a ocultação das informações técnicas. Pelo contrário, o que acontece é a utilização destas informações para legitimar ações genocidas e truculência policial.
Se por um lado o poder público e a mídia convencional vai a fundo na discussão legal da terra, por outro dá aval a situação de vida precária da população e não se incomoda em excluir cada vez mais famílias de uma possibilidade de vida digna.
Vamos a fundo
Reintegrações de posse dizem respeito a terras roubadas. Provenientes de linhagens de famílias posseiras, por doação do Estado ou apropriação por meios ilícitos. Com origem na invasão portuguesa à terras que nunca foram “descobertas”, mas sim roubadas e colonizadas dos nossos antepassados indígenas.
Essa história parece antiga demais, às vezes até “muito antiga” para ser considerada, mas uma pesquisa dominical em cartório, com auxílio de um advogado, pode trazer a tona muitas informações interessantes. Algo que inclusive aterroriza os proprietários, que chegam a pagar os cartórios para a omissão destas informações.
Retomando a questão ambiental, a vida em harmonia com a natureza deve ser incentivada, assim como a proteção da fauna e flora. Disso todos sabemos. Porém o estilo de vida nas cidades, hoje, é extremamente agressivo à natureza. Ou seja, não é uma exclusividade das favelas.
Para além do mínimo que o poder público fornece, relativo a saneamento urbano, dentro das comunidades outros tipos de ocupação devem ser incentivadas, aqui está a importância das associações de bairro, clube de mães e movimentos sociais. Soluções coletivas para uma vida em harmonia com a natureza retornam em qualidade de vida.
Anteriormente falamos sobre nossos antepassados indígenas, olhemos então para nossos contemporâneos. Hoje os povos indígenas ainda são impedidos de viver em reservas ambientais, com o argumento de que a convivência agrediria a natureza. Porém, os povos indígenas não se entendem separados da natureza, a vida em harmonia com a natureza é a base de seu estilo de vida. Movimentos como o MST já buscam colocar em prática esta harmonia em seus locais de moradia e produção.
Os povos indígenas têm muito a nos ensinar, os ricos e poderosos sabem disso e temem as mudanças que isso poderia trazer a seus estilos de vida individualistas e acumuladores. Resta a eles ações genocidas. O que nos leva a pensar que tal violência em tempos de pandemia não é uma exceção.
A ocupação Santa Cruz existe a cerca de 5 anos.