Toda mulher negra é um quilombo!

TODA MULHER NEGRA É UM QUILOMBO!

25 de Julho Dia da mulher negra, Latino-americana e caribenha

Atualmente é urgente a nossa organização e autodefesa contra o racismo, a supremacia branca, o capitalismo e o Estado, com organização caminhar para a construção de um feminismo nosso, não eurocêntrico, com nossas raízes indígenas e negras para assim seguir traçando nossos planos de luta, existência e resistência.

Comemorado internacionalmente, o 25 de julho, dia da mulher Negra, Latino Americana e Caribenha é uma data que demarca a luta de todas as mulheres em torno da América Latina e Caribe, sincronizando suas experiências e batalhas contra um sistema colonizador, feminicida e opressor que nos ataca diariamente. Criado em 1992, no encontro de Mulheres Negras, Latinas e Caribenhas, na República Dominicana, no qual se discutiu questões como machismo, racismo e todas as demais opressões vivenciadas em nosso cotidiano. O encontro se tornou marco mundial, e dele surgiram necessidades em comum para serem debatidas, do mesmo modo que se viu necessária uma mobilização combativa, denunciando todos os tipos de violência sofridas pelas mulheres desde muito jovens. Da junção desse mulherio, é decidido que o dia 25 de julho seria data de luta, protagonizado pela autonomia e força da mulherada que estava (e está) disposta a se organizar contra o machismo, racismo e o sistema patriarcal que nos mata a todo instante. No Brasil a data é reivindicada desde 2014, trazendo como homenageada a líder quilombola Tereza de Benguela.

Falar sobre a realidade da mulher negra no Brasil requer uma compreensão sensível sobre os fatos. pois não tem como entender o projeto racista da elite brasileira, a consolidação e perpetuação do racismo, a exclusão e o projeto de extermínio do povo negro sem compreender a formação social Brasileira. Desde que o Brasil se tornou colônia, as brutalidades dos homens brancos se tornaram ferramenta de exploração dos povos indígenas, do mesmo modo que trouxeram a força milhares de famílias africanas para serem escravizadas nessa terra. Ao longo de 400 anos, a estimativa é que tenham sido retirados da África 12,5 milhões de pessoas, em uma das maiores migrações forçadas da história. Sendo que o Caribe e a América do Sul receberam 95% das(os) negras(os) que chegaram às Américas e quase metade das pessoas escravizadas desembarcaram no Brasil. Desde lá, mulheres negras foram separadas de seus pares e de seus filhos, submetidas ao trabalho escravo, criando os filhos dos senhores enquanto os seus cresciam sem a presença da mãe. O Brasil foi forjado a partir de expropriação de terras, violência, estupro e sangue derramado dos povos nativos e africanos escravizados.

 

Com a “abolição” formal da escravidão, o nosso povo negro foi jogado a própria sorte, sem direito e acesso a terra, educação, trabalho e saúde, problemas estruturais que nosso povo enfrenta até hoje. Então se hoje somos 75% dos mais pobres, maioria dos trabalhadores informais, somos 75% das vitimas de homicídio, somos mais de 60% da população que vive em situação de cárcere, é porque a exceção sempre foi a regra para o nosso povo.

 

Passaram-se mais de 130 anos da dita abolição da escravatura, e a realidade da mulher negra é a seguinte: De acordo com as informações contidas no Mapa da Violência, no período entre 2003 e 2013, o número de homicídios das mulheres negras cresceu de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013.O Brasil é o 5º maior com população carcerária feminina, onde duas a cada três mulheres em situação de cárcere são negras.O genocídio da mulher negra no Brasil é uma realidade que, infelizmente, sempre foi naturalizada pelo Estado. Além de terem sua vida retirada pela violência, fruto de um racismo estrutural e machismo sistêmico, as mulheres negras são as que menos disponibilizam de oportunidades empregatícias, as que menos usufruem do sistema de educação, as que mais perdem seus filhos para o Estado genocida, as que mais permanecem em situação de abandono afetivo e as que mais estão servindo de força de trabalho em plena pandemia. Um retrato de um Estado racista, genocida e segregador, que está materializado na violência, na morte e no encarceramento em massa do povo negro.

 

Falando em Pandemia, a situação da mulher negra se torna muito pior. Segundo o Ministério da Saúde, as mulheres negras representavam quase 1 em cada 4 (23,1%) das pessoas hospitalizadas com Covid-19, e chegavam a 1 em cada 3 entre as pessoas mortas infectadas pelo novo coronavírus (32,85%), sem contarmos as subnotificações. Essas mortes representam a exposição constante da qual as mulheres pretas trabalhadoras passam diariamente para poder levar a comida para a mesa. Relembraremos aqui com revolta o caso da empregada doméstica Mirtes Renata Santana da Silva, mãe de Miguel Otávio Santana, que viu seu filho perder a vida enquanto trabalhava durante a pandemia pela negligencia de sua patroa, a primeira dama de Tamandaré/ Recife, Sari Corte Real. O caso de Mirtes, trabalhadora que perdeu seu filho enquanto trazia o sustento para casa, é mais um entre a triste realidade das mulheres negras neste país, uma herança escravocrata que vai da casa grande aos apartamentos, onde as antigas amas de leite e mucamas hoje são as empregadas domésticas e as babas, categorias essas que nós mulheres pretas somos a maioria, recebendo os piores salários, nos sujeitando à trabalhos precários e sofrendo com o racismo e humilhações.

 

MULHER NEGRA É RESISTÊNCIA!

 

Porém, o poder da mulher negra já está em seu sangue. Pois assim como herdamos a desigualdade, herdamos a revolta e a rebeldia. Com a força de nossas ancestrais, trilhamos o mesmo caminho de resistência das que vieram antes de nós. Em nossas veias está o embate que nos move, dando a nossa essência insubmissa. Para cada corpo negro derrubado pelo racismo que nos assola, nasce mais outra geração de pretas que batalham por um futuro melhor, afinal não é um Bolsonaro qualquer que irá nos calar. Compartilhamos da mesma revolta que havia em Tereza de Benguela. Homenageada não por acaso no 25 de julho, dia da Mulher negra, latino Americana e Caribenha, Tereza teve sua vida marcada pelo enfrentamento na busca pela liberdade do povo preto.

 

Na cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso, Tereza se torna referência de luta a partir de seus feitos nos anos de 1750 a 1770. Juntamente de seu companheiro, José Piolho, Tereza abrigava negros que fugiam das fazendas e das minas de ouro e indígenas. José Piolho é morto em uma emboscada em 1740, e deste modo, a rainha Tereza, como era conhecida, assume o posto nos anos de 1750 perdurando até 1770. Em 1770 Tereza de Benguela foi morta em um ataque que o quilombo de Quaritê sofreu, assassinando a líder e mais de 100 moradores, negros libertos e indígenas. Se tornando líder de um quilombo, Tereza representa a força da mulher negra que não se submete a qualquer tipo de controle imposto sob seu corpo.

 

Atualmente é urgente a nossa organização e autodefesa contra o racismo, a supremacia branca, o capitalismo e o Estado, com organização caminhar para a construção de um feminismo nosso, não eurocêntrico, com nossas raízes indígenas e negras para assim seguir traçando nossos planos de luta, existência e resistência.  Temos ciência que a luta parlamentar não nos trará frutos, bem pelo contrário, fortalecerá as novas correntes de escravidão. Ta mais que na hora de parar de acreditar num estado racista e genocida como saída para o nosso povo, pois sem a nossa organização desde baixo não há saída alguma, pois não houve na história e não vai existir um governo que tenha paralisado o projeto de extermínio do nosso povo, todas as conquistas e avanços se deram a partir de muita resistência organizada, ação direta e luta das(os) de baixo.

 

Assim como o Dia Internacional da Mulher- 8 de março, o 25 de Julho não é uma data comemorativa, não tem como objetivo festejar: a ideia é dar enfrentamento, fazer resgate, se articular e fortalecer as organizações voltadas para a libertação do nosso povo. Hoje sabemos a importância de termos representatividades femininas e negras para a construção de uma sociedade livre de racismo. Rainha Tereza, assim como Luísa Mahin, Dandara e outras pretas combativas, contribuem para a construção de uma sociedade da qual as mulheres negras mantem-se vivas, conquistando seu espaço e esmagando o racismo com a força de sua luta. A filósofa e ativista negra Angela Davis escreveu: Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela. Façamos as palavras de Davis nossas ações diárias.

 

Salve Tereza de Beguela! Salve todas as Mulheres Negras, Latino-Americana e Caribenha.

Assinado por:
Raí Silva militante da Resistência Popular e do Coletivo de Mulheres Negras-Dandara.
Nathália Dias militante da Resistência Popular Estudantil de Porto Alegre.