América Latina vive tempos de agitação política, lutas populares e uma profunda crise do poder institucional, o qual se reflete no colapso sem retorno da democracia representativa em todo o continente (é certo e honesto sinalizar que todos os países estão numa etapa diferente desse colapso, e não é o foco deste artigo se estender nesta ideia). Se a todos estes elementos somássemos os efeitos devastadores que terá para a economia a pandemia, teremos a bomba relógio começando sua conta regressiva em quase todo o continente. A fome e o desemprego estão aí, chegaram para ficar por um bom tempo, tempo que será bem usado pelas oligarquias de cada país para recortar o já agônico gasto social e aplicar sem maiores contrapesos o tão sonhado super raio privatizador.
Para citar um exemplo das consequências da pandemia no quesito econômico podemos mencionar um de nossos vizinhos, o Chile. O país já começa a viver a sua maior recessão econômica desde 1982 (época onde ainda estava ativa a ditadura militar comandada por Pinochet) com uma taxa de desemprego de 10% estimada para este ano. A situação já está sendo vivida em seus efeitos imediatos pelo povo pobre nas ruas, com o ressurgimento explosivo das “ollas comunes”, ou cozinhas populares (no Chile as “ollas comunes” representam uma iniciativa popular que transformou o problema da fome numa oportunidade de solidariedade e organização coletiva entre o povo ao longo da história).
O presente contexto político autoritário que vive o Brasil é um exemplo a mais dessa bomba relógio que está prestes a explodir no continente. Com seus ingredientes especiais, a situação que nós vivemos é sumamente perigosa, também, pois o atual governo namora apaixonadamente uma agenda neoliberal e fascista, a qual será aplicada com todas as ferramentas que a “democracia” confere. É por isso que chegou a hora de pedir menos explicações para nossos algozes ou muito menos pedir justiça ou disputar narrativas institucionais. Não podemos ainda nos manter presos ao pavor ou à surpresa. As projeções estão jogadas com uma dose de verdade inquestionável na América Latina. Isso sem dúvida é deprimente, porém se constitui como uma profunda possibilidade para todos aqueles que se importam com a liberdade como pulsão coletiva de vida. Todos ou quase todos sabemos que a única opção que resta pela frente será lutar por nossa dignidade. Faz-se necessária e urgente a digna raiva de um povo que decida sair às ruas e não soltá-las mais, pois estamos num beco sem saída, onde temos a responsabilidade moral e histórica de quebrar com o horizonte de morte que o estado nos oferece como aspiração de uma nova normalidade.
Ignacio Munhoz é imigrante Latinoamericano, pesquisador informal das lutas populares, amante dos chocolates e do Colo Colo. Serigrafista emergencial até novo aviso. Samba e rap fazem parte do seu equilíbrio espiritual. Colunas de opinião quinzenais sobre conjuntura Latinoamericana.