Sete meses de Brumadinho e mil incêndios por dia: a mão armada do mercado avança sobre o brasil

 

No último dia 25, completaram-se sete meses desde que a Vale assassinou mais de 240 pessoas, desapareceu com espécies animais e vegetais ao longo de 147 hectares de mata atlântica destruída e ainda contaminou os rios Paraopeba e São Francisco.

Repetindo seu combo de ecocídio e chacina que já vitimara trabalhadores em Mariana, em 2015, a empresa brasileira, privatizada nos anos corruptos de governo FHC, jogou sob brumadinho o horror do rompimento das barragens e seus impactos ambientais, sociais e econômicos de caráter irreparável – ninguém recupera mais os ecossistemas e espécies extintos nem faz renascer as pessoas assassinadas.

A empresa, contudo, segue gerando lucro para seus acionistas e subindo em valores no mercado especulativo, sem que ninguém tenha sequer sido responsabilizado.

Marco de sete meses desde que o capitalismo brasileiro subitamente empilhou centenas de corpos em brumadinho, o último domingo marcou também o anúncio de um recorde: nos primeiros 25 dias de agosto de 2019, foram mais de 25 mil focos de incêndio registrados na amazônia brasileira.

Foram vinte e cinco mil, novecentos e trinta e quatro pontos de queimadas registrados pelo Inep em agosto – o maior número desde 1998, quando o instituto começou a apurar estes dados. Mais de mil incêndios por dia!

Se a primeira vista a relação entre a fumaça na mata e a lama nos rios não parece muito clara, os povos originários e os movimentos de luta no campo e na floresta há tempos denunciam e há séculos já sabem: as crises e os ‘acidentes’ nos ecossistemas brasileiros, das mudanças bruscas de temperatura até o avanço do oceano sobre as cidade, dos alagamentos e deslizamentos anuais até os genocídios ocasionais não são coincidência histórica; trata-se do projeto político das burguesias brasileira e internacional, seu plano para as terras do país e o cumprimento à risca das suas ideologias.

Histórico laboratório infernal do capitalismo, a América Latina (e, especialmente, o Brasil) é a exposição a olho nu dos resultados óbvios de uma série de medidas centenárias e recentes que, combinadas ao iminente caos climático, tem mostrado, bem embaixo (e dentro) de nossos narizes qual futuro está reservado às e aos de baixo enquanto reinar o império do capital.

Ao contrário do que entendem os discursos liberais e as ajudas humanitárias [sic] vindas do norte global, as queimadas recentes na amazônia não são problema de ocasião ou resultado de “má gestão de recursos”, mas a consequência automática de séculos de loteamento latifundiário das terras do país, de grilagem e especulação, de empoderamento político e econômico do agronegócio monocultor e assassino e da cultura da impunidade e da ausência de resposta política a problemas eminentemente políticos.

São resultados direto do capitalismo dependente brasileiro, da cumplicidade ativa dos governos “de esquerda” da região, que aliaram-se ao agronegócio e as megaempresas para assassinar indígenas, empreender obras faraônicas e frear a reforma agrária e, sobretudo, são resultado do recente salvo-conduto que o governo federal de Jair Bolsonaro, com seu ultraliberalismo reacionário, tem significado simbólica e concretamente para os assassinos, grileiros e fazendeiros da região amazônica.

Os desastres do capitalismo, portanto, sejam as mais de 200 vidas de brumadinho ou os milhares de hectares de floresta perdidos pelo fogo ou pela soja, não se resolvem com mais capitalismo ou com soluções gerencialistas, econômicas ou de intervenção estrangeira.

Se são violência política, devem ser enfrentados com política – desde baixo e por fora das institucionalidades legais do estado burguês. A resposta para a ininterrupta crise ecológica que os sucessivos governos brasileiros têm imposto às nossas terras, às nossas riquezas naturais e ao nosso futuro deve de ser uma resposta que os povos originários e as trabalhadores em luta no campo tem dado há tempos: reforma agrária popular, demarcação de terras indígenas e uma ruptura radical com o modelo de produção de mortes e degradação ambiental que o capitalismo impõe à América Latina.

Enquanto o horizonte de ação for rezar pela amazônia ou fortalecer as forças armadas para “combater as chamas” de mais esse desastre, o rio doce, as assassinadas de brumadinho e mariana, as centenas de populações indígenas da América, que vivem sob genocídio constante, as trabalhadoras rurais e o povo desse país não estarão em paz nem na memória e nem na possibilidade real de vida no presente.

A defesa de uma amazônia indígena e popular não é assunto exclusivo dos povos originários nem é possível de ser secundarizado. A luta popular precisa ditar o caminho. Nossas opções são dicotômicas e urgentes: é barrar nas ruas o ecocídio e o avanço do capitalismo sobre nossas terras ou é extinção.

Texto de Guilherme Ulema- militante da Resistência Popular Estudantil de Porto Alegre.