A Reforma da Previdência e o seu enfrentamento: Quais lições para as próximas lutas?

 




Desde o início do ano, o governo e as elites econômicas capitaneadas pelos bancos e industriais, criaram a falsa acusação do “rombo da previdência” defendendo a urgência da aprovação da Reforma da Previdência pois senão “o Brasil iria colapsar”.  Dessa forma colocaram na conta de quem sempre pagou, os trabalhadores e trabalhadoras, a dívida daqueles que nunca pagaram a sua parte, como Bradesco, Santander, Itaú e muitas outros bancos e empresas que além dos montantes que devem declaradamente hoje, esquecem todas as renegociações e perdões fiscais que passaram anos negociando suas dívidas com os governos para que de fato nunca pagassem nada. Em resumo: essa reforma não atacou os sonegadores (bancos e grandes empresas que devem quase 500 bilhões à previdência), fazendo o trabalhador pagar a conta.

 
É preciso afirmar: a reforma da previdência aprovada essa semana no senado significa menos direitos e mais pobreza para os trabalhadores. Para muitos é o fim da possibilidade de algum dia se aposentar, ou ainda ter que trabalhar mais anos e receber um benefício muito menor. Significa o desmonte da previdência pública. Essa é a triste realidade para a maioria da classe trabalhadora, após esse assalto à previdência dos brasileiros. 
 
Sabe-se que reforma da previdência está totalmente articulada com a reforma trabalhista (carteira verde e amarela), fazendo os jovens aceitarem menos direitos trabalhistas num cenário de alto índice de desemprego. E há ainda a MP da ‘Liberdade Econômica’, podendo ser chamada também de MP da ‘Minirreforma Trabalhista’, que liberou indiscriminadamente o trabalho aos domingos e feriados, acabando com o pagamento em dobro nesses dias, mudando também as regras de registro de ponto, entre outros ataques.
 
 

A tirada de pé das Centrais Sindicais na luta contra a reforma:

 
No que toca à tentativa de enfrentamento à reforma da previdência, é importante salientar que grande parte da esquerda reformista acreditou que poderia disputar a Reforma dentro das instituições a partir das bancadas de partidos como PT, PDT, PSOL, PCdoB e PSB que se colocaram contrários a Reforma. Porém o que vimos foi mais traição dos deputados e senadores destes partidos e uma derrota esmagadora da bancada de oposição em todos os aspectos.
 
Durante o ano as mobilizações de rua puxadas pelas principais centrais sindicais do país, tivemos  grandes demonstrações da expressiva falta de diálogo que essas centrais tem com as suas bases além dos patéticos chamados de Greve Geral de última hora e atos que viravam grandes comícios sem diálogo algum com a população. O 14 de junho (#14J) foi um exemplo evidente do nível de desmobilização que as centrais provocaram. Por de trás disso as diretorias das centrais negociam a reforma sindical com Rodrigo Maia e centrais patronais. Entregam nossos direitos de bandeja e buscam salvar seus interesses de continuar no poder dos aparelhos burocráticos (se vendendo em troca de financiamentos para substituir o imposto sindical) , e nesse caminho seguem cada vez mais distante dos e das trabalhadores e trabalhadoras.
 
E por fim, na última terça-feira (22), o Senado aprovou em segundo turno a Reforma da Previdência numa votação de 60 votos a favor contra 19. A Reforma para ser aprovada no Senado necessitava  somente de 49 votos favoráveis dentre os 81 senadores. As emendas propostas pela oposição foram negadas em sua maioria e somente a emenda sobre a questão da periculosidade será levada para ser votada em um projeto paralelo depois de uma negociação entre governo e oposição. 
 
A avaliação que se faz é de que as centrais apostaram suas fichas na negociação da reforma nos gabinetes do congresso. Tiraram totalmente o pé da luta nas ruas, desde o início apostando em negociar com os deputados uma reforma ‘mais branda’. E vale lembrar aqui que os governadores do PT e PCdoB negociaram abertamente a reforma da previdência com o governo Bolsonaro.
 
Após o 14J, as centrais recuaram imensamente na tática da greve geral chamando apenas alguns ‘dias de mobilização nacional’. Sendo nítido que a pauta ‘Lula Livre’ pós Vaza-Jato influenciou ainda mais neste recuo em relação à luta nas ruas, e substituiu as convocações de Greve Geral em grande parte da esquerda institucional.
 
A CUT, mesmo fora do governo, permanece com a estratégia de chegar no poder, de retomar o poder via eleição, com um recuo ainda maior nas lutas.  O recuo é estratégico para retomar o Estado (não radicalizar a luta, economizar recursos para as eleições, e se apresentar como opção eleitoral).  A ideia é de que este recuo das centrais, como CUT e CTB, que tem grande parte dos sindicatos que mobilizam categorias, é estratégico, e não por falta de habilidade, pois seu interesse é ser alternativa para retornar ao governo através do PT nas próximas eleições.
 
 

O sindicalismo tradicional agoniza:

 
A lição que fica desses dois tristes episódios (aprovação das reformas trabalhista e da previdência) é de que o sindicalismo tradicional burocratizado agoniza e é incapaz de mobilizar trabalhadoras e trabalhadores e acaba por repetir as mesmas fórmulas e repertórios de ação, com fraco poder de convocação para os atos, e com dirigentes discursando durante horas em cima de carros de som, o que tem sido incapaz de construir uma luta popular de resistência contra os ataques dos governos e patrões. Esperar que as mudanças venham do andar de cima não conduz a nada. 
 
Há também o efeito do grande índice de desemprego que reduz ainda mais esse poder de convocação e também as categorias  estratégicas (como os rodoviários) estando sob domínio da burocracia sindical, dificulta ainda mais a contundência em parar as cidades. Outra questão importantíssima é a dificuldade que as centrais tem em se comunicar e se organizar com setores estratégicos da sociedade para além do setor público e estudantil (trabalhadores precarizados, setor privado, classes populares). Urge a necessidade de criar mecanismos de articulação com esses setores para qualquer tentativa de luta popular.
 
O passado recente nos mostra que essa estratégia de luta das centrais foi incapaz de evitar tanto a aprovação das reformas trabalhista (em 2017) e da previdência nesse ano. Frente a isso, a lição que temos é de que as lutas populares não podem ficar reféns das agendas das centrais. É necessário construir e fortalecer ferramentas coletivas e independentes de luta que sejam capazes de superar esse obstáculo, e construir por si só uma agenda independente de lutas. Não podemos ficar tropeçando nas mesmas pedras. A estratégia da negociação dos gabinetes não constrói resistência.   
 
 

As lições que as lutas populares na América Latina nos trazem:

 
As lutas que eclodiram na América Latina nesse ano nos mostram o caminho. O exemplo dos povos do Haiti, Equador e Chile que foram às ruas lutar contra o aumento do custo de vida nos fornecem inúmeras lições. O Chile inclusive é o grande exemplo de reformas citado pelo ministro da economia ‘chicago boy’ Paulo Guedes. Mas essa eclosão de revoltas populares no Chile nos mostram que caiu por terra esse discurso de ‘conto de fadas’ neoliberal. A reforma da previdência perpetuada no país andino só fez crescer a pobreza e o alto custo de vida, num cenário de privatização total de todos os serviços públicos, como saúde e educação.  Neoliberalismo é mais ajuste e mais repressão. Mais precarização dos serviços públicos e das condições de vida. E mais milicos nas ruas para reprimir a indignação popular. Esse é o neoliberalismo nu e cru. 
 
 
A principal lição que tiramos dessas lutas nos países hermanos é de que somente a luta popular é capaz de barrar o ajuste perpetrado por esses governos capachos do FMI. Sem povo na rua não há resistência contra o neoliberalismo. A indignação do povo necessita se transformar em luta e organização popular.  Não deixando nas mãos dos políticos profissionais esta luta, pois a história nos mostra que esse jogo político do congresso é muito perigoso para os trabalhadores. Não terceirizar a luta pra ninguém, mas tomar o seu destino nas próprias mãos. Estando ciente que essa luta não inicia e nem termina aqui. A luta é prolongada, de resistência, cotidiana, nas ruas, nos locais de trabalho, de moradia e de estudo. A construir poder popular.
 
Para os pobres do mundo todos os tempos são tempos de luta!
 
Nossos direitos são garantidos na luta, nas ruas, nas greves!
 
Só a luta popular decide! 
 
Texto produzido pela militância da Resistência Popular Estudantil e Sindical de Porto Alegre.