Quatro meses do acampamento Cícero Guedes (RJ): terra para quem nela vive e trabalha!

Por Repórter Popular – Norte Fluminense (RJ)

No último Sábado (23/10) ocorreu a atividade em comemoração aos 4 meses do Acampamento Cícero Guedes do MST, nas terras da antiga Usina Cambahyba, no município de Campos dos Goytacazes, Norte do estado do Rio de Janeiro.

O evento contou com a organização de um ato político e cultural, com a presença de movimentos sociais, universidades da região, professores de educação do campo, sindicatos, entre outros apoiadores. Iniciou com uma mística e uma rodada de falas políticas, ressaltando a importância da Reforma Agrária, dos processos educativos e de formação no campo, da agroecologia, e celebrando também a recente conquista da escola do acampamento.

O Repórter Popular esteve presente nessa atividade e conversou com o companheiro Silvano, um dos militantes do MST que contribui na organização do acampamento Cícero Guedes, para ouvir sobre a importância desta data e atividade no processo de luta pela terra das famílias que se encontram no acampamento. Assim como a importância da organização destas famílias e dos movimentos sociais para promover o poder popular e conquistar a Reforma Agrária, a soberania econômica e alimentar a partir da agroecologia.

RP: Queríamos começar perguntando o que representa essa data, qual a importância desses 4 meses de ocupação aqui no Acampamento Cícero Guedes?

Silvano: Os 4 meses de ocupação do Cícero Guedes são um símbolo de resistência e uma conquista, pois estamos aqui, apesar de questões internas e o enfraquecimento da luta. Mas permanecemos e tivemos muitas conquistas durante esses 4 meses, como o CADúnico (Cadastro Único para programas sociais), com cerca de 300 famílias cadastradas aqui dentro do acampamento. Tivemos a vacinação contra Covid-19, e agora também conquistamos nosso espaço da Escola para alfabetizar nossas crianças e também nossos adultos. Temos que comemorar isso e também a permanência aqui dentro por esse tempo, a resistência dessa luta que não começou nesses 4 meses. Esta luta iniciou há 21 anos atrás, entre idas e vindas, e hoje nós estamos aqui. A emissão da posse destas terras da Cambahyba está nas mãos do INCRA, pra que faça a Reforma Agrária de fato e assente as famílias. Isso pra nós é um motivo de luta, de resistência, motivo de festejar nossa permanência nesses 4 meses de muitos que virão até concretizarmos esse projeto de assentamento da Cambahyba pra nós do MST.

Foto da atividade de 4 meses do assentamento Cícero Guedes.

RP: E quais as perspectivas que existem para o futuro?

Silvano: Que o projeto de assentamento das famílias se concretize, e elas possam realizar esse sonho. É um anseio de todos que estão aqui que tenhamos esse sonho realizado, o projeto concretizado, as famílias na terra produzindo, pra que as famílias conquistem essa dignidade. Estamos realizando, mesmo que a passos lentos, mas está acontecendo. Nesta semana o INCRA esteve aqui fazendo o trabalho de geo-referenciamento, que é uma das etapas do assentamento das famílias, calculando quantas famílias vai suportar na área, sabendo que nós temos 1.300 hectares, mas aí precisa demarcar a reserva legal, área de proteção ambiental, e toda a parte estrutural e a área social, as estradas. E depois desse estudo o INCRA vai determinar quantas famílias serão suportadas no projeto do assentamento.

RP: E qual a leitura e as avaliações que o movimento faz sobre as políticas do INCRA?

Silvano: A leitura política que a gente tem hoje é que o Brasil está sendo dirigido por um governo que é antagônico à Reforma Agrária. Os superintendentes que temos em basicamente todos os INCRAs, que é o órgão responsável pela concretização da Reforma Agrária, são profissionais alinhados ao governo atual e que são contra a Reforma Agrária. Portanto o INCRA se encontra fragilizado. Por exemplo, aqui na Cambahyba, o INCRA veio representado pelo superintendente Cassius, entrou com um pedido judicial de que o órgão não tem interesse em realizar a Reforma Agrária aqui na Cambahyba. Mas como existe uma ordem judicial a ser cumprida, então a lei o obriga que faça a Reforma Agrária.

Importante parabenizar a juíza que assinou este decreto, por reconhecer o processo de desapropriação das terras da na Cambahyba e o processo de ocupação das famílias pela Reforma Agrária, e que o processo independe da vontade do superintendente, portanto será feita a Reforma Agrária sim. Porém, com essa conjuntura toda, com elementos contrários, o processo fica mais lento do que deveria ser, quando o próprio governo e os cargos mais altos dos órgãos responsáveis pela Reforma Agrária são contrários a mesma e não reconhecem o trabalho dos movimentos sociais do campo, não gostam do Movimento Sem-Terra. Na relação das questões fundiárias está o Nabhan Garcia, que é outra pessoa extremamente antagônica à luta pela terra do MST, e esta é a linha que o atual governo vem seguindo. Infelizmente temos esses gargalos a enfrentar, mas permanecemos firmes na luta pra superar qualquer desafio.

RP: E qual a importância dessa organização pela base, valorizando a autonomia das famílias que trabalham a terra, promovendo o poder popular e se organizando para enfrentar estes ataques desta política institucional, do Estado, quando este é contra a Reforma Agrária?

Silvano: É de grande importância para o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que este não se resume apenas à base acampada ou assentada, nós contamos muito com os apoiadores, as universidades, os sindicatos que apoiam, a própria justiça com alguns profissionais que reconhecem a importância da nossa luta e da Reforma Agrária pro país. Sem todo este apoio nós estaríamos com dificuldades muito maiores. Mas como temos este respaldo da sociedade civil e de toda essa rede de apoio que podemos trabalhar em conjunto, a organicidade do MST é composta por todos que apoiam, campo e cidade, organizados para que a Reforma Agrária aconteça.

Parte da mística da atividade de 4 meses do acampamento.

Neste sentido, a gente vai se fortalecendo para que a luta permaneça, que as famílias possam resistir em conjunto com a sociedade, com os diversos movimentos sociais que são parceiros na luta pela moradia, Reforma Agrária e agricultura familiar, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e pela Soberania Popular na Mineração (MAM) que são movimentos contra a mineração e os impactos sócio-ambientais que esta ocasiona, lembrando dos recentes desastres em Mariana e Brumadinho, e a Via Campesina que é o conjunto de todos esses movimentos sociais em diálogo, fortalecendo a luta. Estamos andando em conjunto para realizar a conquista do conjunto da classe trabalhadora, no campo e na cidade, de forma geral.

O Repórter Popular agradece ao companheiro pela entrevista e que a terra seja do povo que nela vive e trabalha. Que avance o povo forte e organizado para fazer frente aos ataques do projeto de morte do capital e sua expressão no campo que é o Agronegócio.

Ocupar, resistir, produzir!