Porto Alegre 250 anos – cidade túmulo: a luta dos povos não é evento ou negócio

Por Onir Araujo *
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Cidade Túmulo é o termo utilizado pela organização Reaja ou Será Morto/Reaja ou Será Morta, para Salvador, capital da Bahia, em uma obra – que já está em sua 2ª edição escrita por Hamilton Borges, chamada “Salvador Cidade Túmulo”, produzida pela Editora Reaja, face ao persistente e recorrente genocídio da população negra através da violência direta do Estado e de suas forças de segurança. O termo cai como uma luva para Porto Alegre.

A arquitetura dos marcos da cidade é reveladora, como demonstram as colunas da Igreja da Matriz e da Cúria Metropolitana (ambas no centro), que se erguem sobre cabeças monumentais indígenas, onde os templos modernos do “Deus Mercado” (mercado imobiliário), se erguem e soterram sítios arqueológicos Mbyá-Guarani, de presença milenar, como no Pontal do Estaleiro, no Bairro Cristal (empreendimento milionário que está sendo construído). Ainda é possível ver os rastros de gentrificação em outros projetos imobiliários, como os da Ponta do Arado Velho, no extremo Sul de Porto Alegre, onde comunidades indígenas são ameaçadas.

O invasor e sequestrador europeu e seus descendentes tratam os sobreviventes do holocausto africano e indígena em seu pleito por liberdade e respeito (pleito secular e histórico contra um crime de lesa humanidade imprescristível e ainda não reparado), cinicamente , como “invasores”, criminalizando corpos e povos. Entretanto, esses resistem a partir das retomadas indígenas e quilombos na capital mais segregada do Brasil sob o ponto de vista étnico/racial.

Remoção manu Militares da ilhota, Colônia Africana dizimada, referenciais culturais, como o carnaval, ameaçados; a repaginação do espaço geográfico, com os mega projetos imobiliários recrudescendo a recorrente segregação e desrespeito aos direitos fundamentais dos povos. Se temos o que comemorar nesses 250 anos da cidade de Porto Alegre, é termos sobrevivido, apesar de tudo. E essa sobrevivência tem relação direta com nossa memória e ancestralidade negro/africana e indígena contra o genocídio e epistemicídio recorrentes tão bem simbolizados na arquitetura da Cúria Metropolitana e da Igreja da Matriz.

Aos mortos que caminham conosco devemos respeito e com as palavras do Griot Yedo Ferreira em carta para a II Assembleia dos Povos, realizada em março de 2018, no Quilombo dos Fidélix. Com elas, concluo essa reflexão:

O momento é de unidade do povo Negro, povos indígenas e demais povos que compõem a nação pluriétinica para a luta nacional , contra a nação de “povo branco ” de cultura européia da elite e sua Oligarquia politica e pela libertação nas quais há séculos se encontram negros e indígenas

Titulação e demarcação de todos os territórios quilombolas e indígenas de Porto Alegre!

Desafetação e titulação dos espaços culturais e religiosos de matriz africana e indígena!

Ressignificação de todos os marcos e referenciais de escravocratas e seus colaboradores!

Interrupção imediata de projetos imobiliários que impactam direta ou indiretamente os territórios étnicos e dos povos e quilombolas por desrespeito à Convenção 169 da OIT!

Reparação aos moradores da antiga Ilhota e seus descendentes pela remoção forçada para a Restinga entre as décadas de 1960 e 1980!

Reparação pelos crimes da história para descendentes de africanos escravizados e indígenas!

Todo apoio a retomada dos estudantes indígenas da UFRGS e seu pleito por moradia estudantil!

Não temos o que comemorar ou festejar!

Outono de 2022

* Onir Araujo é militante da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul