Por uma redução de danos solidária

Tem muitas coisas para serem faladas hoje em dia, sem dúvida, e com urgência de serem escutadas, mas com plena consciência que continuarão sendo ignoradas. Os temas são vários e tem linhas temáticas em comum. Vivemos tempos historicamente sombrios no nosso continente, e em especial no Brasil distópico de hoje, onde a esperança aparece como um horizonte distante, que guarda tal qual um bunker, os últimos fragmentos da nossa saúde mental. E é em nome da saúde mental que cada qual, na urgência de preservar a sua, tem começado a construir de maneira tímida e incipiente o fenômeno das bolhas sociais (grupo pequeno de pessoas que se encontram com ou sem cuidados no isolamento). Uma resposta legítima a nossa necessidade instintiva de reunirmos no coletivo, de ser escutados e de falar, de ter a possibilidade de sair por um breve tempo do pesadelo do encerro, no qual ninguém pode sentir-se pleno. Não existe fórmula mágica para os tempos atuais. Cada qual procura a melhor forma, pois ninguém teve a experiência “enriquecedora” de uma pandemia em suas vidas, seja isto o que talvez ajude a entender as condutas negacionistas ou arriscadas das pessoas que você poderia considerar como prudentes ou bem informadas.

Pessoalmente acho muito complexo e até inviável fazer juízos moralizantes e taxativos de caráter individual sobre um fenômeno que é social, e por sobretudo institucional – e falo institucional pois deveria ser o poder público responsável por espalhar o cuidado coletivo como mensagem. Mas o que acontece de maneira certa e concreta é todo o contrário, as políticas de saúde pública são fundadas na total ausência de afeto pela vida, por isso se entende de que não exista guia alguma que não seja o autocuidado de cada um, pois está em evidência que é “nós por nós”, desde que toda esta grande merda explodiu. As mortes avançam de maneira fria e banal, ninguém se importa no Planalto se as UTIs estão lotadas e que podemos esperar nada do grande empresariado, talvez um pouco de caridade “altruísta” pela TV a cada mil trabalhadores infectados ou mortos.

Cada pessoa tem seu tempo e seu plano de redução de danos. Ninguém pode se sentir obrigado a sair de casa se tem medo, esta é uma escolha (que deveria ser um direito). Porém, também existe o legítimo desejo de ver essa energia individual e livre de medo se organizar de maneira articulada para abraçar a todos aqueles que, anos após anos, são invisibilizados pelo estado e o capital – e que agora, mais do que nunca, precisam ver esse coletivo sedento de encontros fazer a sua parte. Sinta a energia entrando em seu corpo!

Existem múltiplas formas de quebrar com o isolamento social que vão além dos encontros “clandestinos” da amizade. Também existe o rolê do apoio mútuo, em que um abraço solidário se constitui em ajuda real para outros. Você já se perguntou como está seu vizinho ou vizinha? Se lhe falta comida ou dinheiro para pagar as contas? As necessidades das pessoas que não têm escolhas nem privilégios não são poucas, a única coisa que sobra são as urgências. Por isso se faz necessário sempre perguntar e conhecer as realidades de nossos bairros, se involucrar para quebrar com o gelo individualista que a sociedade capitalista nos educou.

Se você pergunta entre amigos ou conhecidos da sua área, vai se encontrar com projetos maravilindos de apoio mútuo e solidariedade, como o do movimento “RIO VERMELHO SOLIDÁRIO”, o qual vem atuando no norte da ilha de Florianópolis desde o começo da pandemia. O movimento estendeu de maneira organizada, independente e autônoma os laços solidários do bairro, focando nas necessidades dos mais vulnerabilizados pela pandemia e pelo sistema. No trabalho do Rio Vermelho Solidário se pode destacar o incentivo às hortas comunitárias e domiciliares; a realização de cozinhas comunitárias; feiras de trocas; produção de sabão a partir da arrecadação de óleo usado coletado dos moradores; e entrega de cestas básicas.

Os exemplos de solidariedade são uma chance de romper com as bolhas, pois não tem bolha que seja saudável, agora menos que nunca. Tentemos construir o mundo que nossos algozes odeiam; pois, por eles, a gente deveria ficar na bolha mesmo, sendo amáveis e omissos com o genocídio enquanto olhamos para o mar.

Para finalizar esta coluna quero dizer que o intuito das linhas aqui lançadas não são de procurar a culpa desde um altar moral, mas sim procurar com urgência a coerência entre aqueles que abraçam o carinho pela vida e a liberdade como um direito coletivo de práxis cotidiana.

Ignacio Munhoz é imigrante Latinoamericano, pesquisador informal das lutas populares, amante dos chocolates e do Colo Colo. Serigrafista emergencial até novo aviso. Samba e rap fazem parte do seu equilíbrio espiritual. Colunas de opinião quinzenais sobre conjuntura Latinoamericana.