Na tarde de quarta-feira (05), policiais militares armados invadiram a Ocupação Marielle Franco, no Alto da Caeira (Maciço do Morro da Cruz), derrubando algumas casas e o banheiro coletivo das moradoras.
A impossibilidade de garantir um isolamento social adequado nos barracos é agravada pelo fato de muitas famílias não possuírem unidade sanitária, ficando ainda mais vulneráveis neste momento de pandemia.
Durante a operação da PM, enquanto se proibia a entrada ou saída das moradoras, mulheres e crianças resistiam pelo seu direito à moradia marchando sobre a Transcaeira, estrada que corta o território ocupado. Lideranças da ocupação, com apoio do Coletivo de Ocupações Urbanas de Florianópolis, negociaram a retirada da PM, que deixou o lugar com ameaça de retornar em breve.
Desde 2014, a área onde está situada a Ocupação Marielle Franco consta no Plano Diretor da cidade como uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), destinada à habitação para a população de baixa renda (até 3 salários mínimos).
As ZEIS deveriam cumprir o papel de instrumento de regularização fundiária para a promoção da função social do solo urbano. Trata-se de uma ferramenta importante para a consolidação do direito à moradia, conquistada pela luta histórica do povo periférico de Recife (PE). As famílias de migrantes sertanejos, escravos e trabalhadores canavieiros que se assentaram sobre o mangue foram as longínquas pioneiras dessa luta. Sua resistência flutuante às investidas das políticas oficiais de expulsão durou décadas sobre as águas do Capibaribe e do Beberibe. A força das suas mobilizações fez nascer, em 1983, na forma de lei, a primeira figura das ZEIS, fortalecendo o movimento por reforma urbana no Brasil.
Mesmo assim, há décadas o poder executivo vem negligenciando o déficit habitacional do município e a necessidade da população mais pobre. Atualmente o número escandaloso acusa mais de 15 mil famílias privadas do direito à moradia digna em Florianópolis, vivendo em áreas de risco, em condições insalubres, em situação de coabitação e assediada pelo preço abusivo dos aluguéis.
É frente a esse cenário que o prefeito Gean Loureiro (DEM), que tem verdadeira vocação para garoto-propaganda, definiu claramente sua política habitacional. Logo no início de seu governo, desmontou a Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento e, no lugar, criou a Secretaria Municipal de Infraestrutura, também conhecida como Secretaria Eleitoral do Asfaltaço, que ganhou notoriedade no início da pandemia. Durante a primeira e polêmica deliberação em sessão virtual da Câmara Municipal, a casa legislativa ignorou a emergência sanitária e aprovou dois empréstimos que totalizaram R$100 milhões para obras de infraestrutura, sendo R$20 milhões apenas para revitalização da avenida Via Expressa Sul. (Fonte: Folha da Cidade, “Câmara de Florianópolis ignora crise sanitária e aprova 100 milhões para obras de asfalto“, por Fábio Bispo, 3 abr. 2020.)
A crise sanitária e habitacional segue às mínguas. “Mais uma vez o braço armado do Estado substitui a falta de políticas públicas de habitação.” A afirmação na carta de Elisa Jorge, militante do Coletivo de Ocupações Urbanas, é seguida pela denúncia da ausência de um plano de habitação por parte da prefeitura de Gean Loureiro: quase 4 anos resumidos ao “uso de violência e o estímulo ao aumento da população em situação de rua”. (Fonte: @elisajorge.arq, 5 Ago. 2020.)
A todas aquelas que lutam por vida digna, cabe se apoiar no acúmulo da nossa história repleta de resistências populares. Inspiradas pela conquista dos homens e mulheres caranguejo dos mangues do Recife e na homenagem prestada a elas nas palavras de Josué de Castro, as bravas habitantes dos morros que emergem destes mares do sul produzem tempestades e atormentam seus conhecidos opressores.