“Onde os fracos não têm vez” e a política brasileira

Onde os fracos não têm vez (2007) é certamente um dos grandes filmes da última década americana. Desde Gosto de sangue (1984), os diretores Joel e Ethan Coen vêm usando do bizarro, do grotesco, do ridículo, para mostrar a violência da sociedade. Com um estilo muito singular (interessante ver que esse estilo acompanha-os nos 17 longas até Ave, César!, 2016), encontramos em Javier Bardem (da foto) talvez o exemplo que concentra o que até ali foi construído. É através do riso de seu cabelo, um riso meio esquisito, meio constrangedor, misturado a certo medo pela grande atuação do ator, que nos deparamos com a violência (que é também tema do filme) ridícula da sociedade.

O enredo de Onde os fracos… é também meio bagunçado: sem querer um homem encontra uma maleta com dinheiro, outros também estão através do dinheiro, e o resultado é um círculo de violência, sempre tratado como meio absurdo, e vemos tudo isso de maneira opaca, como uma nuvem de areia daquela geografia clássica do sul dos Estados Unidos a nossa frente, sempre sem transparência. A estrutura dos filmes dos irmãos Coen, me parece, trabalha com a violência pelo riso tenso, pelo ridículo que às vezes soa inofensivo, algo absurdo.

É possível que essa estrutura seja semelhante a algumas situações que enfrentamos hoje em dia no Brasil. Certo tom de absurdo tem estado presente na nossa rotina através de declarações e movimentos de políticos e gente de cima sem noção (ou melhor, com total noção do que fazem, com objetivo bem claro que é a perpetuação das classes sociais; que é manter os de baixo sem direitos e manter os de cima no poder). Alguns exemplos: a indicação de Cristiane Brasil ao Ministério do Trabalho, mesmo que ela tenha sido condenada em uma ação trabalhista; Marchezan Jr., o prefeito-playboy de Porto Alegre, dizer que “é muito inadequado que o aluno se alimente mais de uma vez”, referindo-se à merenda escolar; militares, em intervenção militar no Rio, revistarem a mochila de crianças…

Os irmãos Coen parecem ter identificado um dos sintomas do capitalismo em crise contínua que é a perpetuação das classes através de medidas absurdas, risíveis, ridículas. Essa é uma violência que além de agredir, zomba da população. A resposta no cinema foi a ironia, a nossa é na rua.