O ressurgimento da extrema direita no Chile: Tentando entender alguns dos motivos

Por Ignacio Munhoz

Embora se saiba desde o começo da votação que o segundo turno entre Gabriel Boric e José Antonio Kast era algo certo, os resultados do primeiro turno no Chile deixaram a muitas pessoas na América Latina e no mundo tentando entender como o país da revolta social do 2019 foi capaz de votar por um devoto da ditadura de Pinochet e deixar em terceiro e quarto lugar do caminho à presidência à centro direita novamente. Acredito que as explicações para o triunfo de Kast estão intimamente ligadas a dois temas centrais que o Chile vive atualmente, e que são o foco da sua campanha e a julgar pelos resultados, são também o foco de uma parte grande do eleitorado chileno.

Desde que a esquerda e a centro esquerda tiveram uma forte vitória no processo do plebiscito para uma nova constituição no final do ano 2020 muitas pessoas e analistas políticos pensaram que viria um novo ciclo político institucional de supremacia da esquerda no país, porém se pode afirmar que aquela votação foi um momento político que veio alimentado pelos efeitos da revolta e pelo desejo genuíno e transversal do povo de mudar a constituição dos anos 80, obra maestra da ditadura e que era a pedra angular para pensar uma nova ordem política no país.

Para tentar entender o triunfo do candidato da ultradireita no primeiro turno é muito importante por nossa atenção no que rolou no Norte e no Sul do Chile e que são chaves atualmente para uma parte importante do eleitorado, eles são o tema migratório no Norte e a “violência” na região da Araucanía, no Sul chileno. Estes dois temas são complexos de explicar em detalhes numa coluna de opinião de maneira cuidadosa e detalhada como se merecem, mas acredito que é importante sinaliza-los, se a nossa intenção é procurar entender alguns dos possíveis motivos para o apoio forte a Kast e o avanço da extrema direita como uma opção real de governo.

O tema da migração no Chile foi expressivo em números nestes últimos quatros anos (2017-2020). Para um país que tinha uma taxa de migração anual em média de um pouco mais de cem mil pessoas, segundo registos do serviço nacional de migrações, esta realidade teve uma mudança desde 2017 quando o número de pedidos de vistos superou os duzentos e cinquenta mil, chegando a seu pico no ano 2018 com mais de quatrocentos e trinta oito mil vistos outorgados e posteriormente em 2019, com mais de trezentos e vinte oito mil vistos. Essa realidade migratória que se reflete em números, gerou um quebre profundo na percepção dos chilenos sobre a migração e sua importância como pauta política a ser resolvida. Isto porque, no olhar xenofóbico de uma parte da população, a migração trouxe mais violência e novas formas de delinquência, que segundo os chilenos tinha como evidentes responsáveis à população colombiana e venezuelana. Uma vez encontrados os culpados da “degradação do Chile” o discurso da direita e sobre tudo do candidato da extrema direita, foi combater a migração com um discurso com forte apelo patriótico e de segurança nacional, esse discurso foi tristemente abraçado por muitas pessoas no Norte de Chile (como também no Sul como veremos depois), com ênfase em cidades próximas da fronteira, onde o ponto mais chocante e simbólico dessa onda xenofóbica, foi a queima das roupas e barracas de centenas de famílias imigrantes em situação de rua na cidade de Iquique, no contexto de uma marcha anti imigração que rolou em 25 de setembro deste ano, deixando nítido que o Chile vive tempos sombrios e que o candidato facho é o reflexo de um povo que nunca deixou de abraçar discursos nacionalistas e conservadores, apesar da assembleia constituinte nos quisesse falar outra coisa.

Falar sobre a violência no Sul e especificamente na zona da Araucanía do Chile é outro ponto importante para tentar entender como se configura o atual poder eleitoral da ultradireita, mas também falar de violência implica entender e evidenciar como ela surge desde o poder repressor do Estado, desde a desigualdade social e econômica da região (uma das mais pobres do Chile) e da concentração do poder político e econômico por parte de um grupo de famílias prejudicando  uma grande maioria indígena.

A usurpação das terras e a criminalização da nação Mapuche se alastra por longos anos no Chile, isso, produto do interesse econômico e predatório do qual a região tem sido vítima por diferentes grupos econômicos em diversos momentos históricos do Chile. Primeiro foi na ditadura com uma série de repartições e vendas ilegais de terras, depois foi em democracia, com a militarização cíclica de diferentes territórios Mapuches para satisfazer interesses de grupos econômicos tanto nacionais como transnacionais. A violência e a miséria gerada pelo Estado Chileno durante longos anos trouxeram como resposta o surgimento, em 1998, da primeira força de resistência organizada por Mapuches, chamada de COORDINADORA ARAUCO MALLECO, conhecida pelas siglas CAM. Foi esta organização a que sistematizou a ação de sabotagem contra as empresas florestais e diferentes latifúndios, iniciando formalmente um período de resistência armada contra o genocídio Mapuche que dura até o dia de hoje. Estas ações da CAM foram o álibi perfeito onde a extrema direita encontrou refúgio para potencializar uma agenda conservadora dentro da região, a qual vem se construindo e financiado faz anos e que encontra no candidato o representante ideal para finalizar o plano de extermínio da nação Mapuche.

Migração e violência são duas pautas que se mostraram relevantes para muitos chilenos e que deixaram em evidencia o profundo caráter xenófobo e punitivista de uma parte da classe média chilena. São estas duas pautas as que a direita e a extrema direita jamais abandonaram como cavalo de batalha eleitoral, e será agora no segundo turno que se avizinha para 12 de dezembro, um novo divisor de águas entre o Chile que sonhou com o efeito transformador da revolta e o Chile saudoso da ordem conservadora representada pelo candidato do partido republicano.

 

Ignacio Munhoz é imigrante Latinoamericano, pesquisador informal das lutas populares, amante dos chocolates e do Colo Colo. Serigrafista emergencial até novo aviso. Samba e rap fazem parte do seu equilíbrio espiritual. Colunas de opinião quinzenais sobre conjuntura Latinoamericana.