O 07 de setembro na escalada autoritária do Bolsonarismo

Artigo de opinião por Ricardo Flores Barreto[1]

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            Em seus três anos na presidência, Bolsonaro vem cumprindo fielmente suas promessas de campanha e seguindo com coerência as ideias que sempre defendeu em sua trajetória como político. Os ataques contra os direitos dos povos no Brasil, os cortes orçamentários nas políticas públicas básicas e a promoção de um verdadeiro genocídio por meio da ausência de medidas adequadas no combate à pandemia não são nada menos do que o esperado de um governo de Jair Bolsonaro, ainda que setores que o tenham elegido tentem hoje se eximir de responsabilidade[2]. Da mesma forma, não é nenhuma surpresa que desde a eleição de Bolsonaro o país viva com um constante medo de que sua cúpula mais radical, junto dos militares, imponha um golpe de Estado, o que é inclusive constantemente ameaçado de forma expressa pelo próprio presidente.

         Já no seu tempo de parlamentar, Bolsonaro sempre defendeu abertamente que era contrário ao regime republicano, declarando que a Ditadura Militar foi o melhor governo que o país já viveu, que era necessária uma nova ditadura em que se matasse ainda mais, não sendo nenhuma surpresa as sucessivas ameaças de se fechar o regime ao longo destes três anos. No mês passado, marcado pelo 07 de setembro, o clima mais uma vez foi tensionado com Bolsonaro declarando em uma manifestação em seu apoio que convocaria o Conselho da República para “mostrar para onde nós todos devemos ir”.

      O Conselho da República é o órgão consultivo do Presidente para tratar de situações de relevância para a estabilidade das instituições da República. O presidente só pode decretar situações de supressão temporária das garantias republicanas e do funcionamento das instituições (Intervenção Federal, Estado de Defesa e Estado de Sítio), depois de ouvido o Conselho da República, que é composto pelo Vice-Presidente da República, pelo Presidente da Câmara dos Deputados, pelo Presidente do Senado, pelas lideranças da maioria e da minoria no Congresso, pelo Ministro da Justiça e por seis cidadãos brasileiros natos com mais de 35 anos de idade. Apenas depois de ouvir o Conselho da República, seja em concordância com ele ou não, o Presidente pode decretar quaisquer das três situações excepcionais citadas, por isso que as palavras de Bolsonaro no último dia 07 de setembro foram interpretadas como mais uma das suas ameaças de fechamento de regime.

          Das três situações de exceção, a Intervenção Federal é a única pela qual o país já passou desde a promulgação da Constituição de 1988, como foi o caso da intervenção no Estado do Rio de Janeiro em 2017 que resultou no avanço das milícias no estado. Trata-se de uma situação em que as autonomias federativas de entes subnacionais (Municípios, Estados e o Distrito Federal) são temporariamente suprimidas sob o pretexto de resolver situações críticas como “grave comprometimento da ordem pública”, invasão estrangeira ou de um ente federativo contra outro, recusa por um Estado no pagamento de dívida ou de repassar receitas tributárias aos municípios, dentre outros casos de quebra do pacto federativo constitucional pelo ente.

          Já o Estado de Defesa possui condições mais restritas. Só pode ser decretado, em local específico e determinado, para garantir a “ordem pública ou a paz social” frente à “grave e iminente instabilidade institucional” ou “calamidades de grandes proporções na natureza”. Sendo decretado, pode a população ter suprimidos alguns direitos considerados fundamentais, como o sigilo de comunicação e de correspondência, o direito de reunião, dentre outros. Se a situação de calamidade persistir, bem como em casos de “comoção grave de repercussão nacional” e de “declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira”, é o caso de decretar o Estado de Sítio, situação de maior gravidade das três, em que o povo pode ser submetido a medidas mais autoritárias ainda, como a restrição à liberdade de locomoção e da liberdade de imprensa, a detenção em edifícios com fim diverso, dentre outras. A recente decretação de Estado de Exceção por parte do governo do Equador é um exemplo próximo do Estado de Sítio previsto na Constituição Brasileira.

           No caso das palavras de Bolsonaro no último 07 de setembro, por mais que, como de costume, fosse um blefe de Bolsonaro (o Conselho da República não havia sido convocado para nenhuma reunião e nem o foi até agora), ameaças como estas nunca podem ser banalizadas, sobretudo considerando a adesão por grande parte da população a tais discursos, bem como as tendências golpistas sempre presentes entre os militares, estes que já ocupam mais de 6 mil cargos civis no governo federal. Isso sem falar na expressa adesão de das polícias militares estaduais e de grupos paramilitares, como as milícias urbanas e rurais Brasil afora, à ala mais radical do bolsonarismo. Com tudo isso, é preciso ter atenção ao desenrolar da política brasileira até o final do ano que vem, considerando diversas variáveis: haverá eleição? Se sim, as candidaturas serão livres? Se sim, as eleições serão limpas? Se Bolsonaro perder, ele entregará o poder de bom grado?

         Para se responder estas questões, bem como para se entender o fenômeno do bolsonarismo e suas tendências golpistas nos últimos anos, é preciso ter em mente que a adesão popular aos discursos de ruptura com o sistema vigente de Bolsonaro não é por acaso. Para a maioria esmagadora da população no Brasil, nunca houve um Estado Democrático de Direito. Os direitos básicos previstos na Constituição da Nova República, como saúde, educação, serviços públicos de qualidade, moradia, alimentação e mesmo a própria vida, nunca foram garantidos para a maior parte do povo no Brasil, nem ao longo da história e nem nos anos mais recentes. Qual é o significado, portanto, das instituições republicanas para o povo, que só trabalha para mover as engrenagens do capital e a máquina pública que lhe serve sem quase nada colher dos frutos desse trabalho? Não é por acaso que os discursos de ruptura institucional de Bolsonaro tenham tanta entrada em grande parcela da população, ainda que de forma praticamente suicida, já que a ruptura defendida por Bolsonaro significa o extermínio dos povos.

          Como em todos os processos históricos de luta contra a extrema-direita e regimes protofascistas como o de Bolsonaro, só é possível vislumbrar uma vitória em prol dos interesses do povo se o combate for travado pelas mãos diretas do próprio povo. De nada adianta defender as instituições de um regime dito democrático de direito, se a regra geral para a maioria do povo sempre foi um regime de exceção, sem acesso a direitos básicos e em que o Estado só se faz presente por meio da repressão e do genocídio, como o que se promove nas periferias das grandes cidades e no campo, contra os povos negros e indígenas. Assim, somente com a auto-organização do povo e com a luta de base e de enfrentamento direto ao capitalismo e a todos os seus pilares, inclusive o Estado, é que será possível qualquer avanço nos interesses do povo, sobretudo a derrota do bolsonarismo.

[1] Ricardo Barreto é graduando em direito e militante do Movimento de Organização de Base do Rio de Janeiro (MOB-RJ)

[2] Como é o caso de figuras como Dória e partidos como o Novo, DEM e PSL.

Edição: Melka Barros