Desde a última década, a estética progressista do liberalismo vem deixando a América Latina e, no lugar dela, estrutura-se um neoliberalismo violento e predatório, pautado pela austeridade, repressão e perda de direitos. O resultado direto disso, sentido por todas as oprimidas e oprimidos, é o aumento do custo de vida.
Apesar das aparentes diferenças dos últimos governos no Brasil e no sul do continente, a discussão maior sempre foi: como implantar medidas neoliberais? De maneira lenta, subsidiando programas de contenção de pobreza ou gritando jargões violentos de acabar com a mamata? Em 2013 a população disse não para a primeira maneira, negando os aumentos das passagens e os métodos de conciliação de classes do Partido dos Trabalhadores, que se manteve imutável enquanto as outras forças políticas radicalizavam seus discursos frente às necessidades da população. Quanto a segunda maneira, as manifestações no Chile e no Equador vão dando a resposta: o povo latino americano não vai deixar o custo de vida subir nem mais um centavo.
Em Joinville, cidade com fama conservadora e que fez 80% de votos para o atual presidente, o Movimento “Ele Não” mostrou forças nas ruas em 2018 e reuniu diversas entidades estudantis, feministas, antirracistas, de direitos humanos e associações de moradores da cidade. Os gritos “ditadura nunca mais”, “Bolsonaro, pode esperar, as fraquejadas é que vão te derrubar”, e “se cuida seu machista, a América Latina será toda feminista” ecoaram nas ruas. Diversos espaços de discussão foram criados e ficou evidente que a cidade não é território homogêneo, especialmente entre a juventude.
Apesar das nossas lutas, o empresariado Joinvilense se mostra unido e imponente, garantindo uma câmara de vereadores sem representantes à esquerda, prefeitos ligados a ACIJ e total subordinação do estado aos interesses das empresas da região. A força midiática dos grupos empresariais faz com que o cidadão Joinvilense acredite nos seus algozes, mas isso tem limites. Os absurdos cometidos pela Gidion e pela Transtusa lembram os Joinvilenses todos os dias de que lado o estado e as empresas estão.
Além do preço abusivo de 4,90 na passagem “embarcada” e 4,50 na antecipada, as empresas usam todo o aparato jurídico para se manter no monopólio sem licitação e ainda por cima reivindicam uma dívida que a prefeitura teria com elas. Parte dessa dívida (125 milhões!) foi reconhecida pelo prefeito Carlito Merss em 2012. A dívida é baseada nas planilhas de gastos, que indicam que o custo do serviço seria maior do que o lucro das empresas. É uma mentira descarada e perversa. Nenhuma empresa trabalha no vermelho por tanto tempo, muito menos uma máquina de fazer dinheiro baseada em catracas e que faz o trabalhador de refém todos os dias. O curioso é que a Justiça, a Câmara de Vereadores e a Prefeitura Municipal reconhecem as planilhas e a dívida, deixando todas e todos de mãos atadas para recorrer por meios burocráticos.
Nem a dupla função do motorista, nem o corte de linhas e de horários, nem o subsídio do diesel ou a terceirização de funcionários, nada disso abaixou um centavo do preço da passagem ou mesmo garantiu benefícios como o Passe Livre Estudantil, coisa básica em diversas cidades do Brasil. Pelo contrário, ano após ano a passagem aumenta acima da inflação. Os efeitos disso são óbvios, uma diminuição constante do número de usuários, que esse ano chegou a menos de 100.000 por dia. É uma verdadeira segregação social entre as periferias e o centro, onde quem mora nos bairros só pode andar de ônibus se for para trabalhar, isso se tiver carteira assinada.
A cada aumento, o MPL chamou manifestações, panfletagens e catracaços. Apesar de uma juventude disposta a tomar chuva e enfrentar a repressão e do apoio da população quando entravamos no terminal, ficava evidente que a mobilização não barraria o aumento. A Gidion contava com dezenas de seguranças impedindo a radicalização dos catracaços, a justiça aplaudia todos os aumentos absurdos e a mídia fingia que nada aconteceu.
O último obstáculo é o silêncio dos trabalhadores do transporte, que estão amordaçados pelo patronato e desarmados de um sindicato combativo, coisas que impedem qualquer incitação de greve. Diversas vezes perguntamos: “o seu salário sobe quando a passagem aumenta?” e a resposta era sempre um não seguido de um silêncio ensurdecedor.
Mas então o que há de fazer? O Movimento Passe Livre entendeu que há ausência de três fatores no movimento para o avanço da luta pelo transporte na cidade:
- Comunicação popular: Muitos usuários de transporte nem chegam a saber do aumento da passagem até precisar comprá-la, muito menos ficam sabendo da organização das manifestações ou eventos discutindo o tema. É necessário criar estruturas capazes de comunicar com o usuário do transporte e incentivá-lo à revolta.
- Discussões de gênero, raça e LGBTQ+: Se o transporte público é um problema para o trabalhador, para minorias sociais é ainda mais, já que andar a pé ou de bicicleta traz riscos de violências machistas, racistas e homofóbicas. Enquanto as mulheres são ponta de lança nos protestos da cidade, boa parte da juventude negra tem o direito de ir ao protesto negado pelas condições atuais do transporte. É fundamental discutir esses temas com profundidade para que o movimento alcance quem mais precisa dele.
- Um projeto de financiamento da Tarifa Zero: Desde 2013, quando alguns dos governantes passaram a fingir que ouviam as reivindicações por transporte, ficou evidente a completa falta de conhecimento do estado sobre como construir transporte público de verdade. Temos que nós por nós mesmos estudar, construir e estruturar um projeto viável de financiamento da tarifa, provando por “a + b” que a tarifa zero não é impossível, inclusive já existe em várias cidades do Brasil e do mundo.
Por fim, nos falta hoje um programa sólido, e é por isso que chamamos uma plenária. Para construir coletivamente táticas que nos façam avançar na luta contra a Máfia do Busão e reascender a revolta contra o custo de vida entre os de baixo. O MPL está há quase 15 anos na cidade e não vai descansar até atingir o seu objetivo: Garantia do Direito à Cidade, direito fundamental para o acesso de todos os outros direitos.