Motoristas da Uber em greve: quais as condições de trabalho na era da precariedade?

7 de maio de 2019

por Arvind Magesan (professor de Economia na Universidade de Calgary, Canadá)

Traduzido pela Resistência Popular – Paraná (link para a matéria original em https://theconversation.com/les-chauffeurs-uber-en-greve-quelles-conditions-de-travail-a-lere-de-la-precarite-116695)

Nas últimas semanas, a Uber reduziu a renda de seus motoristas e elevou os preços das tarifas para ganhar favores dos mercados financeiros antes de seu primeiro apelo público à economia, na quinta-feira, 9 de maio, o mais importante depois de anos.

Os motoristas reagiram, eles que não esperam colher os benefícios do IPO* da Uber. Em várias grandes cidades dos EUA, declararam que desligariam seus aplicativos por duas horas hoje, 8 de maio, como parte de um Dia Nacional de Ação coordenada. A iniciativa virou uma bola de neve no mundo, inclusive no Canadá. Hoje, em Montreal, os motoristas da Uber irão além do que foram os americanos: “irão desativar seus aplicativos o dia inteiro em toda a região metropolitana”, diz comunicado divulgado hoje.

A Uber é uma das empresas mais bem-sucedidas da economia “gig”, a chamada economia “colaborativa”, por tarefa, por compartilhamento ou precária, dependendo do ponto de vista. Agora, ela se estende a uma ampla gama de indústrias, incluindo correios, caronas, mídia e muito mais.

No papel, trabalhar nessa chamada economia colaborativa parece muito bom.

Os trabalhadores têm horários flexíveis e geralmente podem trabalhar quando e onde quiserem. Eles podem complementar sua renda com um emprego existente, ganhar dinheiro entre dois empregos ou até trabalhar em período integral. As empresas têm custos trabalhistas mais baixos porque não precisam pagar férias, planos de saúde e outros benefícios. Nem precisam investir na segurança do trabalhador, que é deixada a seu critério.

E o mais importante, os empregadores não precisam se preocupar em pagar seus trabalhadores quando não houver demanda por seus serviços. Se ninguém precisa de um motorista agora, a Uber não tem nenhum custo a pagar. Essa falta de segurança em relação à renda é uma das principais causas da crescente tensão entre trabalhadores e empresas. Na economia colaborativa, as empresas tratam legalmente os trabalhadores como contratados independentes, e não como empregados permanentes.

Um recente estudo sobre trabalhadores contratados, realizado pelo Departamento do Trabalho dos EUA, confirma que isso não deve mudar tão cedo. As consequências são significativas: significa que os trabalhadores praticamente não têm segurança, em termos de emprego ou salário.

Pouca ou nenhuma presença sindical

Benefícios, segurança e proteção do emprego são condições de trabalho que os sindicatos conquistaram e mantiveram. Os sindicatos têm pouca ou nenhuma presença na economia colaborativa, apesar dos pedidos nesse sentido, principalmente devido à oposição das empresas. Há um fato inegável revelado por toda a literatura econômica: a presença de um sindicato aumenta os salários dos trabalhadores, especialmente para empregos pouco qualificados.

Outro estudo – ainda mais relevante para a economia compartilhada – analisou o desempenho do mercado de ações de empresas do setor privado nos Estados Unidos por três décadas. Constatou que a presença de um sindicato diminui significativamente o valor a longo prazo das ações de empresas de capital aberto.

Assim, não apenas empresas como a Uber querem evitar a sindicalização de seus trabalhadores para manter os salários baixos, mas com seus IPOs atuais ou futuros, elas provavelmente também estão de olho no valor futuro de suas ações.

Os benefícios da ação coletiva

As greves de 8 de maio foram iniciadas pelo “Rideshare Drivers United”, um grupo de motoristas Uber e Lyft “que constrói (uma) organização para lutar pela dignidade do nosso trabalho e uma vida melhor”. Eles são ajudados por organizações de defesa como Gig Workers Rising. Esses grupos que organizam a greve desempenham o papel tradicionalmente desempenhado pelos sindicatos.

Organizar uma greve é difícil. Suponha que você seja um motorista da Uber em Los Angeles, em 8 de maio, e espere que todos os outros motoristas desliguem seus aplicativos como parte do Dia de Ação.

Você poderia ganhar muito mais dinheiro do que normalmente, sendo o único motorista do Uber disponível em Los Angeles. Em seu livro clássico publicado em 1965 sobre o assunto, Mancur Olson explica por que grandes grupos sofrem com esse tipo de problema de “parasitismo” e porque pequenos grupos têm maior facilidade para organizar e influenciar a política.

Enquanto os trabalhadores da economia colaborativa poderiam se beneficiar potencialmente de um sindicato, o momento dificilmente poderia ser pior. Nos Estados Unidos, a filiação sindical está em declínio há décadas, como no Canadá.

Um papel para o governo?

Na ausência de uma organização eficaz para defender os interesses de seus trabalhadores, o modelo de negócios bem-sucedido da Uber apresenta desafios complexos para os legisladores.

Trabalhadores da economia colaborativa fazem investimentos caros que os vinculam aos empregos que escolhem. No caso da Uber, isso significa comprar um carro e pagar os custos associados ao seguro, conformidade com os padrões de segurança etc. Por outro lado, a Uber não está vinculada da mesma maneira a um motorista em particular. Como resultado, muitos trabalhadores da economia colaborativa são apenas uma parte de uma situação financeira precária, até catastrófica.

A segurança financeira dos trabalhadores na economia colaborativa não é a única questão da política governamental. Empresas como a Uber continuam a aumentar sua presença. Graças ao seu próprio sucesso, a Uber também acelerou significativamente o declínio da indústria de táxis.

Alguns motoristas perto da idade da aposentadoria viram seus planos entrarem em colapso, pois o valor das licenças de táxi despencaram. O impacto na saúde mental desses trabalhadores tem sido tão significativo que o suicídio de motoristas é agora uma tendência perceptível. Na cidade de Quebec, um motorista tentou tirar sua vida ao vivo na televisão.

Os motoristas de táxi entraram em greve em Montreal e Quebec em março, após a apresentação pelo ministro dos Transportes de Quebec, François Bonnardel, de um projeto de lei que prevê uma forte desregulamentação do setor de táxi e regularização das atividades da Uber ou de empresas similares.

A livre concorrência no mercado, o empreendedorismo e a inovação são, sem dúvida, uma grande fonte de bem-estar para os consumidores. Nem sempre é esse o caso dos trabalhadores. Os formuladores de políticas fariam bem em agir enquanto a situação ainda puder ser gerenciada.

 

* IPO (Initial Public Offering) é uma sigla para Oferta Pública Inicial (ou OPI). Como o próprio nome diz, é quando uma empresa vende ações para o público pela primeira vez. Isso também é conhecido como a abertura de capital.