Medida provisória antipovo: o projeto de Bolsonaro para tirar mais direitos no meio da crise

No dia 22 de março, Bolsonaro veio com a Medida Provisório (MP) nº 927 dispondo sobre “medidas trabalhistas para enfrentamento da calamidade pública” decorrente da situação causada pelo novo coronavírus. Tal medida é fruto do consórcio entre os ideais deste governo neoliberal e a pressão dos grandes empresários, que não admitem que seus lucros diminuam e cobram dos trabalhadores essa parcela.

Mesmo com a polêmica em torno do artigo que permitia a suspensão de funcionários por quatro meses no meio da crise do Coronavírus, que fez o governo recuar neste ponto após pressão popular, a Medida Provisória continua valendo praticamente toda como a original.

As medidas são o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, a antecipação de feriados, banco de horas, a suspensão do contrato de trabalho e a suspensão e parcelamento do FGTS.

Ou seja, todas são medidas que favorecem exclusivamente o empresário, absolutamente despreocupadas com os trabalhadores. Entenda abaixo como fica sua vida no trabalho com essa MP.

TELETRABALHO

Ora, o teletrabalho garante a continuidade do serviço. Talvez seja a medida mais adequada nesta situação. Ocorre que essa modalidade de prestação das funções tem acarretado a sobrecarga de serviços. Empregadores passam a cobrar mais, a se comunicar a todo o instante com os empregados, através de e-mails e aplicativos. Essa situação, inclusive, não é reconhecida pela MP como tempo à disposição do empregador, não contabilizando na jornada de trabalho. Assim, falar com o chefe por meio de aplicativo, não é considerado tempo de trabalho, que deverá ser cumprido em outros momentos.

Além disso, não podemos esquecer das tarefas domésticas e da constituição social machista para que as mulheres as realizem. O trabalho em casa para as mulheres, assim, passa a ser mais terrível, eis que nelas acabam recaindo as tarefas domésticas diárias, bem como o cuidado com os filhos, tudo isso, tendo que cumprir estritamente a sua jornada de trabalho. Fora isso, ainda há os milhares de casos de mães solteiras e os casos em que o pai da criança crê que sua obrigação é uma simples pensão alimentícia.

FÉRIAS, FERIADOS E BANCO DE HORAS

Imaginemos passar nossas férias apenas trancados em casa, sem poder viajar, sem poder visitar amigos, sem poder ver nossos parentes. Nessas situações, é isso que vai acontecer, eis que as férias serão utilizadas para o nosso necessário distanciamento social/quarentena.

Assim, esvazia-se o sentido das férias que foram criadas para o descanso físico e mental dos trabalhadores, concedidas após 1 ano de trabalho.

Além disso, nesses casos de antecipação de férias cujo período aquisitivo ainda não venceu teremos, dependendo da extensão das medidas e necessidade de isolamento, podemos ter milhares de casos em que se trabalhará 2 ou três anos sem direito a férias, já que já foram “gozadas” na quarentena.

A mesma situação encontramos na antecipação de feriados. Após o retorno ao trabalho, trabalharemos sem parar, sem direito aos feriados, sem direitos a descansos maiores.

Sem querer hierarquizar os problemas encontrados nestes ponto, mas ao mesmo tempo o fazendo, o banco de horas talvez seja a medida mais cruel desses casos. O banco de horas é uma medida para que, quando trabalhamos a mais, possamos tirar folgas em outro momento, ou quando faltamos, não tenhamos descontos e possamos compensar a falta.

Ocorre que nessa situação de quarentena não estamos falando de mera falta, mas de necessidade decorrente de uma medida de saúde pública causada por uma pandemia. Assim, não ir ao trabalho deveria ser reconhecido como um direito, garantido pelos patrões e pelo Estado, em compartilhamento da responsabilidade.

O que esta MP faz é criar um imenso banco de horas negativo que deverá ser compensado após o fim da quarentena. Imagine ter que compensar 2 ou 3 meses de trabalho! Essa situação, inclusive, é o que a GM, com sede em Gravataí/RS está querendo adotar com seus trabalhadores. Nessa situação, no retorno, deverão trabalhar mais horas, sem receber e produzindo para o seu patrão que lucrará mais com esse trabalho extra. Sem contar os possíveis problemas de saúde que podem decorrer do trabalho excessivo ininterrupto.

FGTS

Outra medida é a suspensão do recolhimento do FGTS. Assim, os patrões deixam de depositar este valor que pertence ao trabalhador e que não pode sequer dar sua opinião sobre isso. Passa-se por cima de um bem de quem trabalha para favorecer os lucros dos de cima.

SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Essa foi a mais polêmica medida imposta aos trabalhadores pela MP 927, criticada, inclusive, por aliados das políticas econômicas do governo.

Nessa situação, o empregador ofereceria a suspensão do contrato de trabalho, sem direito a remuneração. A MP falava que essa situação deveria ser um acordo individual, mas sabemos como funcionam negociações diretas entre o patrão e um trabalhador sozinho.

Nessa situação, apenas seria oferecido um curso de qualificação, sem quaisquer outros direitos. Trata-se de uma decisão que lançaria os trabalhadores à fome, à completa impossibilidade de continuarem a manter os mais básicos mantimentos num período gravíssimo.

Entretanto, a medida foi revogada pela MP 928, sob o argumento de que Bolsonaro não havia lido o que estava escrito.

ACORDADO SOBRE LEGISLADO

De tudo o que foi proposto o que nos salta mais os olhos é a forma com que essas medidas podem ser aplicadas pelos empresários. Não há qualquer proteção coletiva ao trabalhador, que pode ser coagido individualmente a aceitar essas propostas. Os sindicatos perdem seu poder de decisão. Os acordos coletivos são deixados de lado e a possibilidade de novos acordos inexiste.

É o paraíso dos que apoiaram a reforma trabalhista (já comentada aqui) em que a lei e o sindicato nada valem perante as coações dos patrões. Ninguém é ingênuo em pensar que um empregado sob a ameaça de ser despedido não aceitaria um acordo, mesmo que prejudicial a si e a sua família. Isso não se trata de uma opção, mas de uma coação, uma violência trabalhista.

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Na reforma trabalhista essas propostas não passaram, o acordado sobre o legislado pode ocorrer apenas se os sindicatos participarem das negociações, o que não é perfeito, mas cria uma certa barreira para os desejos dos patrões.

A partir dessa MP abre-se um novo horizonte, em que os acordos individuais se sobrepõem a quaisquer outros acordos e à própria lei. Embora essa MP dure apenas enquanto estivermos nessa situação calamitosa, as ideias não desaparecerão com a pandemia. Ficará no imaginário a possibilidade de instituição geral dessa regra.

Bolsonaro sempre disse que quer menos direitos, essa é sua visão de mundo, menos direitos, menos liberdades em prol do fortalecimento do Estado para garantia dos lucros das grandes empresas. Seu discurso dado em rede nacional no dia 24 de março de 2020 leva sua visão a outro patamar. As tentativas de impedir as mortes de milhares de pessoas (sejam velhos ou portadores de doenças crônicas) é vista como um empecilho ao seu governo e aos lucros dos empresários.

Diferentemente de outros países que, mesmo no marco do capitalismo, entendem que é necessário que o Estado garanta ao menos a remuneração dos trabalhadores, aqui, Bolsonaro nos lança à morte, sem qualquer hesitação, seja pela fome ou pelo novo coronavírus.

Todas suas medidas vão nesse sentido, seja através da sua reforma da previdência (que acabou não sendo aprovada na sua totalidade), seja nas propostas de excludente de ilicitude, políticas econômicas. A morte dos de baixo é o horizonte deste governo e as novas medidas trabalhistas são mais um passo.

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