Bolsonaro é aposentadoria antipovo

Proposta do candidato do PSL para a Previdência prevê mais dificuldade de acesso à aposentadoria para os mais pobres

A reforma da previdência é um tema pelo qual qualquer um dos candidatos à presidência terá que passar num eventual governo e nenhuma das perspectivas apresenta um horizonte melhor do que o que nos encontramos. O ajuste fiscal e as retiradas de direito seguirão, entretanto, aquilo que já parte do ruim pode acabar muito pior.

O candidato anti-povo, Jair Bolsonaro, traz em seu programa de governo uma proposta de profunda reforma da previdência. Profunda no sentido de que não modificará apenas os requisitos para acesso a esse direito fundamental e histórico, como quer o governo Temer, mas pretende mudar o próprio sistema de financiamento previdenciário.

Atualmente, o nosso sistema de previdência é o de “repartição simples”, no qual todos pagam as aposentadorias de todos. Nós, trabalhadores e trabalhadoras, não contribuímos apenas com a nossa aposentadoria. Enquanto trabalhamos, contribuímos para a previdência como um todo, possibilitando que outras pessoas se aposentem e que nós tenhamos direitos a benefícios previdenciários, como o auxílio-doença. Uma geração contribui com a seguinte. Ao nos aposentar, os trabalhadores e trabalhadoras da ativa contribuirão para que possamos ter acesso ao nosso direito. Além disso, os empregadores também têm o dever de contribuir com a previdência, com a chamada cota patronal. Ao mesmo tempo, o governo financia os valores que porventura faltem. Trata-se de um financiamento coletivo, tripartido, baseado no princípio da solidariedade.

Essa forma, longe de ser perfeita, e que também atende interesses espúrios, ao menos acaba reduzindo os valores a serem despendidos por nós e mantendo um mínimo valor de recebimento, o salário-mínimo.

A proposta do candidato Jair Bolsonaro, entretanto, pretende individualizar a previdência, criando um sistema de “capitalização”. Com isso, quem trabalha só terá acesso ao que contribuir de seu próprio bolso. Patrões não mais pagarão suas cotas e o governo lavará as mãos. A previdência será transformada em uma poupança piorada, pela qual toda a responsabilidade será única e exclusiva de quem trabalha, sem qualquer garantia de valor mínimo.

Quem ganha super-salários e possui ampla disponibilidade de empregos estáveis, talvez se agrade da ideia. Ora, poderá contribuir com bons valores sem se preocupar se sobrará dinheiro para comprar comida, roupa, remédios, etc. Entretanto, a perspectiva que se apresenta para quem ganha pouco; para as terceirizadas, que têm que rodar de emprego a emprego; para quem tem que lidar com momentos de desemprego constantes; para quem tem que aceitar contratos de trabalho intermitente[1], no qual nem um salário-mínimo é garantido; para quem tem que fazer bicos; para as mães solteiras que têm que sustentar seus filhos e filhas sozinhas; para quem se encontra dentre os 13 milhões de desempregados; ou seja, para quem vive a vida da maioria dos brasileiros e das brasileiras esse sistema de previdência é um horizonte de fome, adoecimento e morte.

Além disso, não é o trabalhador ou a trabalhadora quem administra o dinheiro. Tais valores serão administrados por bancos, públicos ou privados, que farão investimentos. Se forem lucrativos, a maior parte fica com a instituição e uma pequena parcela com os trabalhadores. Entretanto, se houver prejuízo, este fica integralmente com quem contribuiu. Trata-se de um negócio sem riscos pro banco, com seus lucros bilionários, mas com pleno risco pra quem recebe pequenos salários. Entrega-se o nosso dinheiro, conquistado a muito custo, para a especulação financeira.

Portanto, o sistema de capitalização da previdência fará com que o trabalhador e a trabalhadora tenha que pagar mais para ter acesso aos mesmos direitos que hoje possui, sem garantia que esse dinheiro estará lá quando se aposentar, podendo ser torrado em um mal investimento ou fraude.

Tal sistema foi aplicado no Chile pelo ditador Pinochet, a partir de proposta trazida por economistas formados na escola de Chicago. A capitalização da previdência foi realizada na década de 80. Assim, as primeiras pessoas a ter acesso às aposentadorias começaram a surgir na última década e o resultado é tenebroso. Mais de 90% recebem um valor menor do que o salário-mínimo chileno[2]; a quantidade de suicídios entre idosos aumentou, tornando o Chile o país com a maior taxa da América-Latina[3].

No momento, são cerca de 10 milhões de filiados e mais de 170 bilhões de dólares aplicados no mercado de capital especulativo e em bolsas de valores de Londres e Frankfurt. Ou seja, aquilo que é vendido como uma individualização da previdência, e que compramos baseados no egoísmo, pois não teremos mais que financiar outros benefícios, em verdade, acaba por financiar lucros de grandes empresas e bancos, a um maior custo pro trabalhador e pra trabalhadora. Ao invés de financiarmos, em pequenos valores, outros trabalhadores e trabalhadoras, que vivem como nós, financiaremos as champanhes dos banqueiros.

Coincidentemente, o grande economista de Jair Bolsonaro, o seu ”Posto Ipiranga”, o Sr. Paulo Guedes, é formado na mesma escola de Chicago e trabalhou no Chile durante o governo Pinochet. Certamente, traz de lá essa proposta que beneficiará os seus próprios investimentos. Busca, pelo lombo dos trabalhadores e das trabalhadoras, beneficiar a si próprio e a seus comparsas. Tal economista já é investigado pelo Ministério Público Federal, por fraudar, justamente, fundos de investimentos, em cerca de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais)!![4]

Infelizmente, essa proposta que se encontra na página 57 do plano de governo tem sido silenciada. Necessário, assim, para além do devido debate quanto aos posicionamentos racistas, machistas, homofóbicos e que arrastam um amplo imaginário conservador e de contornos fascistas – que tem legitimado a violência política nas ruas, com agressões a travestis, homossexuais, mulheres e pessoas negras –, desmascarar Jair Bolsonaro como uma pessoa contrária aqueles que vivem de seu trabalho (como mostram seus posicionamentos em favor da reforma trabalhista e da terceirização irrestrita e contrária aos direitos constitucionais das empregadas domésticas) e que busca beneficiar os barões do sistema financeiro.

Bolsonaro não rompe com nenhum estado de dominação. Não salvará ninguém, nos destinará à miséria em plena velhice, depois de uma vida de trabalho, enquanto aumenta o seu patrimônio familiar, que apenas em imóveis já é estimado em R$15.000.000,00 (quinze milhões de reais)[5]. Seus discursos inflamados e suas fugas dos debates tentam esconder interesses seus e de seus grandes financiadores.

Bolsonaro é o representante da ideia de uma aposentadoria anti-povo, que rompe com um histórico de direitos conquistados nas ruas, e que, infelizmente, não será derrotada pela simplicidade das urnas, independentemente do resultado das eleições.

Sem ilusões, somente a luta popular e nas ruas decidirá nosso futuro.

Gabriel Porto Dutra

Advogado do Sindicato dos Municipários de Cachoeirinha/RS

 

[1]https://reporterpopular.com.br/como-reforma-trabalhista-arranca-seus-direitos-trabalho-da-mulher-gravida-e-trabalho-intermitente/

[2]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39931826

[3]https://www.hypeness.com.br/2018/08/sem-previdencia-publica-chile-tem-numero-recorde-de-suicidio-de-idosos/

[4]https://istoe.com.br/mpf-investiga-guedes-economista-de-bolsonaro-por-suspeita-de-fraude-em-fundos/

[5]https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-e-filhos-possuem-pelo-menos-r-15-milhoes-em-imoveis/