Para a maioria das mulheres trabalhadoras, uma educação à distância para suas crianças significaria a quarta jornada de trabalho!

Durante a pandemia da COVID-19, vários governos têm adotado a Educação à distância (EaD) como cumprimento de parte da carga horária das alunas e alunos de escolas públicas. Como isso impactaria a vida das mulheres? Sabemos que, mesmo com o isolamento social, muitas mulheres ainda estão trabalhando, seja porque são trabalhadoras “informais” ou autônomas, seja porque são as trabalhadoras dos setores que não pararam, como as trabalhadoras da prestação de serviços domésticos, as trabalhadoras do telemarketing, as terceirizadas da limpeza dos hospitais, enfermeiras e técnicas de enfermagem, caixas de supermercados e farmácias etc. Como será para essas mulheres estar trabalhando fora e em casa, preocupar-se com a segurança dos seus por conta da pandemia e, ainda, cuidar da Educação das suas crianças em casa? Para além do período de pandemia, como a EaD impactaria a vida das mulheres?

A maioria das mulheres cumprem uma segunda ou tripla jornada. Além de trabalhar fora, precisam realizar o trabalho doméstico em casa, cuidar das filhas e filhos, pais, mães, avôs, avós etc. Além de executar as tarefas de modo direto, as mulheres também precisam despender da mente e de tempo para a organização da vida familiar como um todo; assim, são elas que precisam verificar se as tarefas escolares estão sendo cumpridas, levar para vacinar, pensar que a criança precisa de roupas, pensar no que está faltando na alimentação, no horários dos remédios etc. etc. Esse é um trabalho mental desgastante, por isso, nós chamamos isso de carga mental ou sobrecarga mental. Não à toa, em uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com a organização SOS Corpo, 71% das entrevistadas apontaram não ter auxílio no trabalho doméstico; 68% apontaram não ter tempo por conta desse trabalho e 58% apontaram não ter tempo para os cuidados de si mesmas – ou seja, boa parte das mulheres não conseguem cuidar de si mesmas por conta de toda a sobrecarga. Conforme dados do IBGE (Dados da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios – PNAD), a taxa de realização de trabalhos domésticos, em 2018, era de 92,2% para as mulheres. Em média, as mulheres dedicam 21,3 horas semanais para essas atividades, enquanto os homens dedicam 10,9 horas. Comparando com uma jornada de trabalho de 8 horas por dia, seria o equivalente, mais ou menos, a 68 dias. 541 horas a mais por ano.

Socialmente, o trabalho de criação das crianças e adolescentes ainda é delegado às mulheres – seja a mãe, seja a tia, a prima, a madrinha ou a avó a realizar essa criação. E isso começa desde cedo, uma vez que as mulheres têm a licença maternidade e os pais não. Desde cedo, a criança fica sob os cuidados das mães, criando, muitas vezes, um laço que exigirá mais dessa mãe. Isso também se reproduz na Educação formal dessas crianças, pois o acompanhamento da criança na escola, muitas vezes, fica a cargo das mulheres. Soma-se a isso, os inúmeros casos de mulheres que criam sozinhas filhas e filhos, sobrinhas e sobrinhos, netas e netos etc. No Brasil, existem cerca de 35 milhões de lares chefiados por mulheres, segundo o IBGE. E isso para falar apenas nos números oficiais, pois a possibilidade é de que sejam bem maiores.

A escola tem, assim, um papel social extremamente importante na vida das mulheres mais pobres, as mulheres de baixo. A Educação formal estando a cargo da escola é um fator que contribui em suas vidas, liberando-as de mais um trabalho ou auxiliando quando são mulheres que não possuem escolarização. A EaD traria maiores dificuldades por conta da falta de recursos das famílias para essa execução. Para as mulheres trabalhadoras, e escola é um espaço social essencial, no qual podem confiar deixar suas crianças enquanto trabalham. A pandemia mostrou isso de alguma forma quando ocasionou o fechamento de creches e escolas – muitas mulheres precisaram buscar as chamadas “crecheiras” (mulheres que cuidam das crianças da comunidade em casa), em substituição, tirando dinheiro de onde não poderiam. Por essa razão, é tão importante que as escolas públicas recebam os investimentos necessários para oferecer uma estrutura de qualidade.

Nesse contexto, caso fosse implantada uma Educação à distância, além das dificuldades com a falta de condições e falta de acesso à tecnologia, as mulheres trabalhadoras teriam de enfrentar uma terceira ou quarta jornada de trabalho em casa. Precisamos entender que uma EaD não significa apenas cumprir tarefas escolares em casa, mas construir toda uma jornada de formação. Desse modo, essas mulheres teriam de, não apenas acompanhar, mas, sobretudo, planejar todo o processo de formação junto à criança e adolescente. O trabalho que seria desempenhado por uma professora na escola ficaria a cargo das mulheres responsáveis pela criação das crianças e adolescentes. Um trabalho que é complexo, exigindo um esforço e maior sobrecarga mental para essas mulheres. Por isso, SIM, para a maioria das mulheres trabalhadoras, uma Educação à distância significaria a terceira ou quarta jornada de trabalho!

Pela vida das mulheres, a Educação precisa ser pública e de qualidade!
Por vida digna, a Educação também precisa ser digna!
Mulheres são resistência na luta por vida digna!

Mulheres Resistem – MT