Odeio ver filme ruim. Todo mundo odeia, certamente. A gente fica pensando no tempo perdido e na possibilidade de ter visto algo melhor naquele tempo. Foi este o caso de Fuja (2020), filme dirigido por Aneesh Chaganty – diretor que não conhecia. O longa é um suspense psicológico com basicamente dois personagens, a mãe e a filha, que moram numa casa grande de classe média numa pequena cidade interiorana dos Estados Unidos. A menina tem várias doenças e também é cadeirante, portanto, “não pode fugir”, como aparece escrito na tela antes do filme começar, quando aparece, de maneira interessante, nomes de doenças e seus significados – uma das poucas coisas interessantes da película.
Com o desenrolar das cenas, começamos a estranhar a relação das duas, em especial a superproteção da mãe, que aparenta ser muito dedicada no cuidado doméstico. Temos essa percepção até a cena em que ela está sentada tomando um vinho assistindo TV num ambiente de luz baixa – imaginamos que ela esteja vendo um filme, ou um programa, mas está assistindo a uma fita com gravações da filha quando pequena. Um belo estranhamento, que podia gerar uma narrativa na mesma toada de suspense psicológico que o filme tentou fazer, só que com mais verossimilhança e mantendo o foco neste aspecto, não derivando para uma maluquice como se verá.
O tema da superproteção materna e paterna é complexo e compete à psicologia. O que sabemos através de pesquisas é que isto, embora pareça uma boa ação, é prejudicial à criança, pois esta crescerá de forma menos independente, alienada em muitos sentidos, do prático ao emocional, e tenderá a ser uma pessoa extremamente egocentrada. No cinema, não exatamente o tema da superproteção, mas da presença esmagadora da mãe ou do pai na vida do filho, vemos no belo curta de Woody Allen em Contos de Nova York, em que a mãe do personagem aparece inclusive no céu de Manhattan para chamar a atenção do filho.
Fuja, até por seu título, com esse verbo no imperativo, dizendo para alguém fazer aquela ação, neste caso, fugir, parece querer se comportar como Corra!, um bom filme de terror/suspense de 2017, dirigido por Jordan Peele. Mas não consegue porque esbarra num quesito: o exagero. Brinquei com minha esposa quando vimos o filme: parece que o diretor aperta o botão “forçação” e não larga mais. O filme entra num plot twist psicopata que abandona qualquer realidade, mesmo a realidade proposta pelo filme, de suspense psicológico, para ser uma coisa violenta bizarra completamente superficial e inadmissível do ponto de vista da verossimilhança.
Tem uma máxima que diz: quanto mais, menos. Aquele exagero, ou aquela pessoa que fala demais, na verdade compensa no exagero uma falta, uma ausência. (Não se aplica sempre, é uma máxima…) Pois bem, aprendi esses dias num curso sobre cinema francês que o grande diretor Robert Bresson pregava um tipo de antirretórica da emoção, que a verdadeira emoção no cinema estava em conter a emoção, num acetismo brutal, buscando realçar assim a imagem gravada pela câmera e o trabalho do diretor. A questão não é ter emoção ou não, mas o que quero reter aqui é que o exagero está fadado ao fracasso, porque escapa demais à realidade. Se o filme se propor a isto, claro, isso não se aplica à ficção científica ou a filmes de aventura, mas exemplifica, por exemplo, porque Velozes e Furiosos é tão ruim após o terceiro filme. Fuja é um belo exemplo de como não fazer cinema.
Rodrigo Mendes
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