Ferroviários fazem greve contra baixos salários e transportam passageiros sem cobrar tarifa no Uruguai

Os trabalhadores ferroviários do Uruguai estão em greve contra o desmantelamento das empresas públicas e baixos salários. Como forma de protesto, estão transportando passageiros com tarifa zero, ou seja, sem cobrar a passagem.

A luta das pessoas trabalhadoras filiados na União Ferroviária (UF) mais recente começou quando o atual governo de Lacalle Pou, do Partido Nacional, propôs uma reestruturação na ferrovia pública. 

Conforme nota internacional de solidariedade da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) da Espanha, este processo de reestruturação deixou os ferroviários como um dos setores com menores salários nas empresas públicas do país. 

Com a nova estrutura, a Administração Ferroviária do Estado (AFE) foi dividida em duas. Uma delas transferiu parte responsável pelas infraestruturas a Direcção Nacional de Transportes Ferroviários do Ministério dos Transportes e Obras Públicas (MTOP), enquanto a empresa pública permaneceu apenas responsável pelo serviço de passageiros. Agora, o Sindicato dos Ferroviários está em conflito devido à tentativa do Poder Executivo de transferir pessoal de vias e obras para o Ministério dos Transportes e Obras Públicas. 

“A UF alerta que é surpreendente ‘que um governo que impõe uma reforma da segurança social, solicitando um esforço para trabalhar até aos 65 anos, estabeleça a reforma incentivada de 136 funcionários da AFE de 58, 59 e 60 anos, pagando 15 salários’. Uma medida que visa claramente o desmantelamento das empresas públicas”, indica o CGT.

Diante da falta de resposta, os trabalhadores iniciaram processos de luta, apoiando o serviço de passageiros com guardas sindicais e aplicando estratégias como o Controle Operário, utilizando-se da greve para fortalecer os laços entre trabalhadores e população em geral. Isso porque neste controle operário de algumas linhas tem sido aplicada a tarifa zero, ou seja, os passageiros têm andado de trem de forma gratuita. 

“Acompanhamos de perto um processo que tem em conta as necessidades das populações, especialmente nas zonas rurais do interior, e que é um exemplo de sindicalismo combativo, de defesa do emprego público e de estratégia colectiva. Esperamos que o diálogo que abriram com a administração chegue a um acordo, enquanto isso enviamos toda a nossa solidariedade como sindicato de classe do Estado espanhol ao Sindicato Ferroviário”, diz o CGT em nota.

Para aprofundar um pouco mais o tema, o Repórter Popular fez uma entrevista com Mariano, membro ativo da União Ferroviária, que explica o motivo e os efeitos da greve.

Repórter Popular: Pode fazer uma breve apresentação do sindicato União Ferroviária e sua história?

Mariano: A União Ferroviária foi criada em 1941, quando a ferrovia no Uruguai era britânica. A entidade sindical, de certa maneira, é uma continuidade da União Ferroviária de 1905. A característica é de um sindicato combativo apesar de já ter sido dirigido em sua história por diferentes correntes sindicais, autônomos, comunistas, socialistas e anarquistas.

Em nossa história, também realizamos greves, piquetes, mobilizações e controle operário. Nesta jornada, tivemos alguns membros do sindicato que foram mártires, mortos pelo sistema. Jorge Rodríguez em uma assembléia, Trencito Coghlan sob tortura da ditadura, Meme Altesor na Nicarágua e Fernando Pedrozo morto em uma em atividade do sindicato. 

Repop: Apresente aos trabalhadores que nos leem o modelo de transporte ferroviário e a importância para a realidade do Uruguai?

M: No Uruguai ocorreu um processo de privatização das ferrovias. O processo  atravessou diferentes governos, tanto de partidos progressistas como de direita.

Hoje, o sistema imposto é de acesso aberto, com operadores, e, ao mesmo tempo, há três operadores próprios que são parcerias público-privado, AFE com serviço de passageiros e DBCC (consórcio de empresas privadas do Uruguai, Espanha e Alemanha) é transnacional. Para transporte de passageiros é apenas AFE, empresa estatal.

A União Ferroviária enfrenta este processo, mas também resolveu organizar os trabalhadores ferroviários do setor privado.

Repop: Você pode fazer uma retomada do conflito entre AFE e ferroviários, o que se reivindica e como vai a negociação?

M: O conflito é arrastado por anos, nesta fase é caracterizado pela aplicação de aposentadorias incentivadas e pelo translado de trabalhadores da AFE para o Ministério dos Transportes, para a recepção criada pela Direção de Transporte Ferroviário.

Essas mudanças afetaram a operação e o sindicato se destacou na defesa do serviço de passageiros e na recuperação salarial por sobrecarga de trabalho.

Repop: O controle operário que foi aplicado com a mobilização sindical nesta luta? Como funciona?

M: O controle operário consiste em declarar a greve sobre um trem de passageiros em marcha e não cobrar a passagem, cumprindo o serviço e levando os passageiros ao destino. A UF já aplicou o controle operário em 1985 e agora em três linhas. Em uma linha da região da capital e uma que atravessa uma zona rural. 

Repop: Por último, como o povo do interior que serve o transporte ferroviário reagiu a pauta de controle operário? E que efeitos foram produzidos para avançar a pauta sindical nas negociações?

M: O povo reagiu apoiando com força e reclamando junto com os trabalhadores. O momento é um ambiente de negociação, esperando um resultado positivo.Enquanto ocorre a negociação, o serviço ocorre com guarda sindical (o controle operário realizado pelos membros da União Ferroviária).