Por Resistência Popular Estudantil – Paraná
Contexto
Nos dias 1 e 2 de setembro acontece, de forma remota, a consulta pública à comunidade acadêmica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) para escolha da próxima gestão da Reitoria. Duas chapas concorrem ao cargo: a chapa da situação, encabeçada pelo atual reitor, e a chapa da oposição, representante ideal dos interesses obscurantistas e privatistas defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro.
Os candidatos que compõem a chapa da oposição deram diversas declarações de caráter anticientificista (vide vídeo abaixo), contra as políticas de cotas e de permanência estudantil, contra uma suposta “doutrinação” presente na Universidade e favorável à ampliação da já existente atuação da iniciativa privada nas Universidades públicas. Além disso, já manifestou que não pretende retirar a candidatura da lista tríplice caso perca a consulta – tradição que obriga a Presidência da República a nomear o candidato escolhido na consulta pública. Por conta disso, a possibilidade de Jair Bolsonaro nomear um interventor como reitor da UFPR tem preocupado estudantes, professores e técnicos e reacendido o necessário debate sobre autonomia universitária.
Vídeo: Candidata à vice-reitora da UFPR, Ana Paula, ataca o SUS e defende o uso de ivermectina e de hidroxocloroquina no tratamento de Coronavírus que, segundo ela, trata-se de um vírus “inventado pela China”, que teria iniciado uma “guerra química mundial”. A declaração foi feita em um encontro da Chapa com o Setor de Ciências Biológicas.
No decorrer de 2019, Bolsonaro contrariou a escolha das comunidades acadêmicas em 43% das Instituições de Ensino Superior (IES) que passaram pelo processo de mudança de Reitoria, nomeando candidatos que não foram os mais votados nas consultas. Além disso, tentou atacar a autonomia universitária no que diz respeito à escolha de reitores em duas oportunidades: em 24 de dezembro de 2019, publicou a Medida Provisória nº 914, que excluía a possibilidade dos candidatos que perderam a consulta pública retirarem suas candidaturas da lista tríplice enviada à Presidência e que tornava obrigatória a adoção do modelo 70/15/15 (em que o peso do voto dos professores vale 70% e dos técnicos e estudantes vale apenas 15% cada) nas votações para Reitoria. Por não passado por votação no Congresso, a MP 914/19 teve sua vigência encerrada, mas logo depois Bolsonaro publicou a Medida Provisória n° 979, de 9 de junho de 2020, que permitia ao Ministro da Educação escolher reitores “temporários” nas IFES durante a pandemia de Covid-19. Por conta da repercussão negativa, essa MP também acabou revogada.
O que muita gente não sabe é que a possibilidade da Presidência da República escolher qualquer nome da lista tríplice não é uma novidade e que o respeito à consulta pública, apesar de ser uma tradição (ou pacto informal), não é exigido por lei – na realidade, nem mesmo a consulta pública é exigida por lei. Como descreve o Manifesto da Frente em Defesa da Autonomia Universitária:
“A lista tríplice, marco da debilidade de nossa autonomia e motivo de tanta polêmica nos últimos anos, em realidade, não é nenhuma novidade e foi sempre o método adotado pelos sucessivos governos para a nomeação de reitores. Tal mecanismo foi instituído pela Lei nº 9.192 de 21/12/1995 e o Decreto nº 1.916 de 23/05/1996, que alteraram as normas reguladoras do processo de escolha dos dirigentes universitários vigentes durante a Ditadura Militar, e abre margem para que a Presidência da República escolha qualquer nome constante na lista tríplice elaborada pelo colegiado máximo da instituição; ou seja, a legislação não exige que o Presidente respeite a escolha da comunidade acadêmica, tampouco essa escolha necessita passar por consulta pública”.
Nesse contexto, parte da comunidade acadêmica da UFPR tem apostado no apoio à chapa do atual reitor, Ricardo Marcelo, como forma de defender a autonomia universitária, propagandeando a ideia de que uma votação expressiva afastaria a possibilidade de uma intervenção na instituição. Com isso, esquece-se que Ricardo Marcelo contribuiu, entre outras coisas, com a perseguição e criminalização do movimento estudantil e com a ampliação da terceirização e de Parcerias Público-Privadas, além de representar o velho discurso conciliador que defende ser possível e desejável que a Universidade sirva, simultaneamente, a interesses antagônicos, como os interesses do povo e os de grandes empresas e do agronegócio. A defesa do voto crítico, em geral, também não questiona a falta de democracia própria do processo de escolha de reitores (e principalmente deste processo em específico, que será online) e a falta de autonomia em outros âmbitos da Universidade, que inclui a captação de recursos, administração das verbas, elaboração de currículos e cerceamento da liberdade de cátedra de professores. Nas palavras usadas pelo Manifesto:
“É evidente que o atual processo de escolha de reitores passa longe do que se poderia denominar democracia. Além de altamente burocratizada, os critérios da consulta são impostos, obrigando a comunidade acadêmica a “escolher” entre dois candidatos que apenas em palavras e em campanha, mas nunca em fatos, representam seus interesses. As e os estudantes, maioria esmagadora e parcela da comunidade acadêmica mais ligada aos interesses de nosso povo, têm participação desproporcional na decisão – um terço, mas para alcançar esse peso é necessário que 33% do total de estudantes participe da votação, o que acaba por prejudicar a categoria em decorrência da grande quantidade de votantes que a compõe. Dessa forma, a categoria estudantil, ainda que seja a mais numerosa, costuma ter seu peso eleitoral reduzido. Além disso, esse processo em particular acentua a falta de democracia por ser realizado completamente à distância, em decorrência da pandemia do Covid-19, de modo que boa parte da comunidade acadêmica sequer tem acesso às discussões que ocorrem online. A própria medida de cadastrar votantes com antecedência para participar da consulta é flagrante atentado à democracia e à ampla participação no processo”.
Independente de considerar o apoio crítico uma tática válida neste contexto ou não, nós, da Resistência Popular Estudantil – Paraná, acreditamos que o momento exige uma unidade pautada pela luta, o que passa por escancarar a fragilidade de nossa autonomia, e por isso nos juntamos à construção da Frente em Defesa da Autonomia Universitária.
A Frente
Além do objetivo imediato de mobilizar a comunidade acadêmica para uma rejeição completa à possibilidade de imposição de um interventor na instituição, a Frente também adota como norte a defesa de uma verdadeira autonomia universitária em todos os sentidos:
“Da democracia de fato, seguindo o exemplo histórico das/os estudantes latino-americanos que, há mais de um século, defenderam e conquistaram o co-governo estudantil (50% dos votos para estudantes e 50% dos votos para técnicos e professores) em todas as instâncias deliberativas da universidade. Do rechaço completo aos intentos privatistas de tubarões do mundo empresarial, que hoje controlam mais de 90% do ensino superior no país. Da defesa intransigente da manutenção e ampliação da gratuidade da universidade pública, a exemplo das/os corajosos estudantes da UFPR que, em 1968, enfrentaram a paus e pedras a polícia montada a cavalo contra a cobrança de mensalidades nos cursos de engenharias”.
Almeja-se que ela se torne um espaço amplo de organização e luta, onde as e os estudantes, técnicos, professores, membros da comunidade acadêmica, organizações e entidades do movimento estudantil e sindical possam se reunir para construir ações concretas que defendam a gratuidade, a democracia e a autonomia universitárias e que avancem na construção de uma Universidade para o povo.
Primeira ação
A primeira atividade da Frente será uma ação de propaganda que acontecerá nesse domingo (30), às 14h, na Praça Santos Andrade, onde fica o Prédio Histórico da UFPR. Para mais informações, acompanhe a página no Facebook e participe das ações!