Dois estereótipos que vi recentemente em propagandas e algumas cenas das novelas Malhação e O outro lado do paraíso me chamaram atenção e aqui escrevo duas notinhas sobre elas. É impressionante a naturalização com que a indústria cultural, nesse caso a Globo, se apropria das pautas das/os oprimidas/os da esquerda e a transforma em produto sob o manto da representatividade, e o que de fato se dá é a perpetuação de certos papéis pra determinados seguimentos da sociedade.
O primeiro caso é o da professora-mãe da Malhação. Historicamente as mulheres foram excluídas do mercado de trabalho – as mulheres brancas, diga-se, já que as negras sempre estiveram fora de casa, com serviços precários devido à opressão do sistema racista[1] – isso é sabido, mas tem um ponto diferente em relação ao magistério. Essa profissão, há tempos, em relação às mulheres brancas – e por isso “concedida” a elas esse espaço – era relacionada à ser mãe, um ethos, um modo de ser que tornava o serviço uma extensão da maternidade. Aqui dois problemas: 1) ser mãe não tem valor de mercado, logo abre espaço para desvalorização do trabalho (faz com carinho, como uma mãe, não precisa de salário); 2) perpetua o lugar da mulher como mãe, e só por isso concede às mulheres esse espaço; algo de fora pra dentro, não colocando no centro a capacidade da mulher em lecionar. E só para fechar o ponto, o amplo espaço que as mulheres ocuparam no magistério em determinado tempo aqui no Brasil se deu, de novo, por motivos externos – a industrialização e urbanização crescente no início do século 20 abriu o campo de trabalho para os homens, ficando as mulheres somente com o magistério.
O segundo caso é do personagem negro, que não sei o nome, que compunha o núcleo gay da novela das 9[2]. Colocado no enredo somente para causar a partir do fetiche com homens negros no sexo, há pouco, pelo que vi, o romance foi rompido. Qual a razão daquele personagem até ali? O que vejo, até o momento, é uma branca em um relacionamento heterossexual se sobrepondo a um negro homossexual. Não sei nem se rola o argumento da representatividade, não só negra, mas lgbt na novela, porque o que pude acompanhar de longe foi somente mais um movimento da indústria cultural, tomando a imagem do personagem como mercadoria para imprimir na novela algo próximo à representatividade.
Vendo esses papéis lembro que existem de monte na indústria televisiva e cinematográfica essa perpetuação de lugares na sociedade. Aquele teste que surgiu há pouco no cinema, que analisava falas de personagens femininas e contava quantas conversas entre elas não giravam em torno de homens e relacionamentos é elucidativo. Seria legal fazer uma tabela quantitativa pra analisar isso, mas por ora fica a reflexão.
(Segui, em relação às mulheres-professoras, o artigo “Mulheres na sala de aula”, da Guacira Lopes Louro.)
Rodrigo Mendes
[1] Devo essa informação a meu amigo e colega Patrick, que me alertou sobre as especificidades do mundo do trabalho para mulheres negras e brancas.
[2] Pelo que andei acompanhando, parece que o personagem voltou ao relacionamento. Acho que a crítica fica para pensarmos em outras novelas, filmes, livros etc. Esse texto com essas duas notas foi atualizado em 24/04/2018.