Desemprego e queda na renda em Santa Catarina durante a pandemia

Por todo o país, o povo tem passado dificuldade nos últimos anos. Tudo fica cada vez mais caro, enquanto gastamos cada vez mais horas no trabalho para ganhar a mesma coisa. Vivemos, cada vez mais, buscando garantir o dia de amanhã, sem conseguir planejar o futuro e sonhar com outra vida. A pandemia só veio reforçar essa tendência.

A crise tem servido ao Governo Federal como oportunidade para aprofundar as contrarreformas que precarizam a vida e o trabalho dos mais pobres. Nesse cenário, mesmo entre quem conseguiu manter o emprego ou a fonte de renda, muitos ainda têm visto sobrar dias no final do mês após as contas irem pro vermelho.

As cidades da Grande Florianópolis e Joinville, onde se organizam comitês da Campanha de Luta por Vida Digna, apresentam alguns dos maiores efeitos da pandemia sobre os seus indicadores socioeconômicos. Com a alteração do Auxílio Emergencial (MP 1000) e a divulgação dos efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho na pesquisa PNAD COVID19 do IBGE, as últimas semanas trouxeram debates sobre a situação da renda e do emprego em Santa Catarina. Essas discussões têm contribuído com a elaboração de reivindicações e formas de luta para garantir uma vida digna nessas condições. Neste texto, relatamos alguns dados, índices e processos relevantes para pensar a situação do bolso do povo catarinense.

O auxílio emergencial

No primeiro mês da pandemia, se formulou entre sindicatos e movimentos sociais a reivindicação por uma renda mínima emergencial para que todas as pessoas pudessem garantir seu sustento realizando o isolamento social. Apesar da indicação do DIEESE para um salário mínimo digno estar na faixa dos R$4.500, a proposta inicial do Governo Bolsonaro foi no valor de 200 reais mensais. Após as negociações nos parlamentos e a pressão popular, o governo cedeu e ofereceu o valor que acessamos até agosto, os R$600 mensais, passíveis de se tornar R$1.200 no caso das mães solteiras.

Por um lado, sabemos que a quantia é insuficiente para garantir que qualquer família possa manter o isolamento em casa e assegurar uma vida digna. Ainda assim, foi o auxílio de R$600 que derrubou a proporção de pessoas em pobreza extrema para o menor valor nos últimos 40 anos. Esse índice indica a renda domiciliar per capita de US$1,90 por dia, uma renda mensal de R$154 por pessoa da família. Mesmo com o auxílio, dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) indicam que são 6,9 milhões de pessoas nessa condição no país.

O auxílio emergencial foi acessado por uma parcela enorme do povo brasileiro. O IBGE apontou no mês de junho o número de 30,2 milhões de domicílios, número que representa 44,1% do total das famílias brasileiras. Na Região Sul, a presença do auxílio é um pouco menor, 30,9% dos domicílios, número que cai para 24,5% em Santa Catarina, especificamente.

Os dados de acesso ao benefício por situação empregatícia são bastante reveladores, pois alcançam “75% entre desempregados que procuram emprego, 71% entre assalariados sem registro e 61% entre autônomos e profissionais liberais.

Desemprego

Desde 2014 o Brasil vem acompanhando uma série histórica de aumento do desemprego, da precarização do trabalho e do número de trabalhadoras informais ou que trabalham por conta própria. Nesse cenário, a situação do desemprego em Santa Catarina, no final do 2º trimestre deste ano, aparece como um destaque positivo. A taxa de desocupação no estado (6,9%) ficou bem abaixo da média nacional (13,2%). Contudo, mesmo constando como a menor taxa do país, mais de um quarto (25,8%) das trabalhadoras catarinenses sobrevivem com empregos informais.

Esses índices, que podem parecer otimistas à primeira vista, revelam tendências preocupantes. Essa posição de liderança do estado em relação à proporção da força de trabalho empregada tem relação com uma questionável política de proteção do emprego e da renda promovida pelo governo federal.

A Medida Provisória 936, implementada no início da pandemia e posteriormente convertida em lei (14.020/2020), veio para reduzir os custos das empresas com o trabalho durante o período de redução das atividades econômicas. A medida regulamenta a suspensão de contratos e a redução de até 70% da jornada com descontos proporcionais nos salários, piorando uma situação que já era crítica.

No final de julho, já contávamos com a suspensão de 263 mil contratos e 422 mil acordos para redução de jornadas e salários em SC. Com as atividades econômicas em níveis reduzidos, a demanda pela redução de jornadas e suspensão de contratos foi alta entre as empresas catarinenses. A tendência é de que as trabalhadoras afastadas não sejam reincorporadas, mas demitidas ao final do prazo que pode garantir a estabilidade de empregos até dezembro. Podemos esperar um quadro bem diferente para o desemprego entre catarinenses em 2021.

Joinville é o município com maior número de acordos em todo o estado, totalizando 97,1 mil acordos (14% do total em SC). O tipo predominante de adesão foi a redução de jornadas e salários em 25% (37,5 mil), caracterizada pela ampla participação da indústria eletro-metal-mecânica. A capital vem em segundo lugar, com 72,5 mil acordos (10,4% do total em SC). Aqui as suspensões de contrato foram a maioria (36,6 mil), impulsionadas pela paralisação das atividades de alojamento e alimentação. Florianópolis também apresenta o maior índice de contratos de trabalho intermitente no estado.

O desemprego nacional, no entanto, cresceu em 2,1 milhões de vagas perdidas entre maio e julho, o que caracteriza um aumento de 20,9%. A perda principal é de trabalhadores informais, que migram para as categorias de desempregados ou dos chamados desalentados, aqueles que não estão ativamente buscando emprego. Pelo país, os desalentados subiram 19,1% no segundo trimestre.

Isso indica que o impacto econômico tem sido mais duro especialmente no setor mais precarizado da população. O cenário é tão ruim que, à exceção de Santa Catarina e do Distrito Federal, todos os estados possuem mais pessoas no auxílio emergencial do que com carteira assinada.

Outro indício do fenômeno de que a situação piora entre os mais pobres está presente nos dados de desemprego por raça. Segundo o IBGE, o segundo semestre revelou a maior diferença no nível de desemprego entre brancos e negros desde 2012, quando o índice começou a ser acompanhado. Hoje, o desemprego da população negra é 71% maior do que o valor entre pessoas brancas, dado que demonstra o enraizamento do racismo estrutural também em nossa economia e mundo do trabalho.

O desemprego também se distribui desigualmente em prejuízo das mulheres, com uma taxa de 14,9% (acima da média nacional) e se concentra notavelmente entre a população mais jovem, com quase 30% na faixa etária entre 18 e 24 anos.

Renda, pobreza e dívida

Os impactos da MP 936, política do governo federal, também têm afetado negativamente a renda das trabalhadoras. No total, os acordos já citados representam uma perda de 25% dos rendimentos do trabalho em SC. Desde que essa medida entrou em vigor até o final de julho, o conjunto das pessoas que trabalham em SC deixaram de receber R$273,6 milhões em salários. Mais da metade dessa queda salarial decorre da suspensão de contratos. A categoria mais prejudicada foi, de longe, a das trabalhadoras com contrato de trabalho intermitente, que tiveram sua renda cortada quase pela metade (44,3%).

A desigualdade de renda individual do trabalho apresentou um crescimento recorde durante a pandemia, atingindo o valor de 0,824 no índice de Gini (quanto mais perto de 1,0 maior é a desigualdade). No quadro geral, a metade mais pobre do Brasil perdeu 27,9% da renda do seu trabalho. E ficaram objetivamente mais pobres em uma sociedade na qual direitos básicos são progressivamente convertidos em mercadoria, ainda que constituam a maioria das pessoas beneficiadas pelo auxílio emergencial. No mesmo período e na mesma proporção (27,6%), o conjunto da fortuna de 42 bilionários brasileiros cresceu para vergonhosos R$157,1 bilhões.

Um dos efeitos da perda de renda é o aumento do endividamento, que teve forte crescimento durante a pandemia. Da população que acessou o auxílio, 75% gastou o dinheiro do benefício com necessidades básicas e apenas 25% conseguiu usar o recurso para pagar dívidas. Entre maio e julho, cerca de 4 milhões de brasileiras e brasileiros tentaram buscar empréstimos, embora 19% deles tenham sido negados. A maior parte dos pedidos veio do setor da população que recebe até um salário mínimo. Por fim, a tendência de crescimento da inadimplência também indica aumento da dificuldade de acesso ao crédito.

O que vem pela frente

A maioria das análises indicam que o respiro oferecido pelo auxílio emergencial até o momento foi importante para a diminuição da reprovação ao Governo Bolsonaro, embora ele ainda enfrente a rejeição de cerca de metade da população, número que varia entre as diferentes metodologias de pesquisa. Segundo o Instituto Datafolha, por exemplo, ele recebeu no início de agosto cinco pontos percentuais de aumento em sua avaliação positiva, três pontos dos quais vieram de desempregados ou trabalhadores informais, justamente aqueles que estão acessando o auxílio em maior porcentagem.

No entanto, a partir de setembro, temos um novo cenário que pode ser bastante distinto. Por um lado, o valor do auxílio emergencial foi diminuído por Bolsonaro pela metade. Além disso, o Governo Federal vende como uma de suas principais propostas a reforma administrativa, que retira o direito às progressões de carreiras no serviço público, reduzindo salários, e também atacando a estabilidade dos empregos – o que abre ainda mais brechas para aumento do desemprego. Por fim, a tendência de aumento nos preços dos produtos básicos no mercados teve uma explosão neste mês e foi sentida por toda a sociedade. A inflação dos produtos alimentares passa de 10% no acumulado dos últimos 12 meses.

Nas mídias, Bolsonaro diz apelar ao patriotismo dos patrões nos supermercados para que reduzam sua taxa de lucro. No entanto, os verdadeiros motivos para a alta dos preços são responsabilidade de seu projeto econômico, liderado pelo ministro Paulo Guedes, que trabalha na lógica dos “juros baixos e câmbios altos”, desvalorizando pesadamente a moeda brasileira e tornando mais lucrativo para o empresariado exportar do que vender os produtos internamente, sem que haja políticas federais que se responsabilizem pelo abastecimento popular. Enquanto isso, o agronegócio faz a festa em cima da fome do povo, aumentando seus lucros durante a pandemia através das exportações muito mais rentáveis com o dólar oscilando em torno de R$5,50.

Apesar do momento eleitoral que concentra esforços de outros setores, os movimentos sociais e organizações vinculados à Campanha de Luta por Vida Digna entendem que neste momento é fundamental pautar mobilizações pelo tema do custo de vida, reivindicando renda mínima, emprego, defesa dos serviços públicos, entre os demais eixos formulados pela campanha. Sua ideia é reunir mais pessoas, entidades e movimentos nessas reivindicações, aumentando o nível de organização popular para construir alternativas de sobrevivência e vida digna para todo o povo.

Este texto inspirou a produção de um áudio para circular nas ruas, em campanha por renda digna. Ouça o áudio aqui.