Pier Paolo Pasolini está entre os grandes diretores da Itália. Seus filmes, diferentes entre si, guardam algumas semelhanças, por certo. Uma delas, podemos dizer, é uma liberdade criativa extraordinária. Na sua curtíssima carreira – segundo o site IMDB, o realizador italiano dirigiu de 1961 a 1975, ano de sua morte prematura aos 53 anos – fez filmes ousados, como a trilogia da vida, composta por três filmes eróticos (Decamerão, 1971, Contos de Canterbury, 1972 e As mil e uma noites, 1975), além de adaptações de tragédias gregas e o famigerado Saló.
A Sala Redenção, neste ano, exibiu uma mostra sobre Pasolini, e nela assisti ao Decamerão, já tendo visto As mil e uma noites. Aquela liberdade estética se mostra na forma como ele conta as histórias, umas cinco, com personagens e enredos completamente independentes, e que se sucedem sem uma ordem lógica. Quase todas envolvem erotismo, e vemos muitos nus em cena, especialmente masculinos.
Este fato também não deixa de chamar atenção, já que o cinema, assim como qualquer outra forma ou instituição decalcada da realidade, reproduz os machismos sociais ao objetificar as mulheres em sua mise-en-scène. Aliás, as mulheres tomam o protagonismo para si, “invertendo” alguns papéis que comumente vemos com os homens – o líder da casa, o astuto, o sagaz.
A liberdade irreverente de Pasolini talvez tenha seu ápice na sua derradeira obra, Saló ou os 120 de Sodoma (1975), em que expõe com a crueza e violência do fascismo sem sua face mais dura. Masoquismo e fascismo andam juntos nessa tragédia italiana, onde vemos a escória da humanidade, os fascistas, no momento em que tomaram o poder na Itália.
Era preciso coragem para fazer um filme daqueles. Pasolini não só o fez como, ao fazer, cravou o bastão na história do cinema como um de seus principais realizadores, cuja marca estética é clara e perceptível, e sua influência é inegável.
Rodrigo Mendes