O reinado de Miki Breier e o Mato do Júlio

Do alto de sua janela, nos fundos do andar de cima da sede da Prefeitura Municipal de Cachoeirinha, onde fica o seu gabinete, o prefeito Miki Breier desfruta da privilegiada vista que o possibilita contemplar a belíssima paisagem do maior patrimônio histórico da cidade, o Mato do Júlio, área remanescente do bioma Mata Atlântica que ele julga pertencer ao seu reino. Mas, diferentemente da animação de Walt Disney, não vivemos em uma monarquia e essa terra não tem rei, e a ambição do prefeito tem sido alvo de protesto dos moradores do município, que sequer puderam opinar enquanto avançavam as negociações do tal empreendimento bilionário que vem sendo noticiado pela imprensa local.

IMPACTOS NA ECONOMIA DO MUNICÍPIO

Segundo dados do IBGE, o município situado na região metropolitana de Porto Alegre conta com uma população de aproximadamente 130 mil pessoas. É um município pequeno, mas, ainda assim, o atual governo enfrenta dificuldades na sua gestão, mesmo contando com todas as vantagens características de administrar um município nessas proporções.

Se a implementação desse novo empreendimento for concretizada, serão milhares de famílias a mais fazendo uso da precária infraestrutura oferecida à população, que hoje já carece urgentemente de uma reestruturação viária (para desafogar o caótico trânsito local) e da construção de mais unidades de serviços públicos, como postos de saúde e escolas, por exemplo. Conforme circula na mídia regional, a área será destinada à construção de condomínios luxuosos, que até poderiam incrementar a arrecadação de IPTU, mas até agora estudo algum sobre o impacto financeiro que uma adequação na infraestrutura da cidade, para receber todo esse “plus” na população local, foi mencionado pelo executivo. Tudo indica que se trata de um negócio lucrativo sim, mas a falta de transparência nas informações denota que, por enquanto, o único lucro claro e evidente será o da construtora que arrematar a área.

E A QUESTÃO AMBIENTAL?

O Mato do Júlio tem uma área de 1,24 km² de mata nativa, com seus limites a norte pela Av. Flores da Cunha, ao sul pela BR 290, e a leste e oeste os bairros Parque da Matriz e São Vicente de Paulo, respectivamente. A imagem no final da matéria ilustra essa área verde dentro do município.

Segundo o geólogo Luciano Oliveira de Souza, o Mato do Júlio tem, em sua porção sul, uma extensa área alagada que serve de refúgio à fauna local. Há também um curso d’água perene que corre pelo interior da área. O sul da área é composto por vegetação em estágio inicial de regeneração, enquanto que o interior é composto por mata em estágio médio e avançado. “Áreas verdes são responsáveis por amenizar o microclima local, onde a supressão da vegetação tem como uma de suas consequências o aumento de temperatura na região. O maior impacto ambiental será em relação ao afugentamento da fauna local, à flora que será suprimida e no sistema viário, esse último interfere desde a qualidade do ar até a mobilidade urbana.”, alega o profissional.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO MUNICIPAL

Localizada praticamente no centro da enorme área verde, está também a construção que serviu como ponto de partida para o povoamento da região. É uma casa em estilo colonial açoriano, que pertenceu aos primeiros moradores das terras. Conforme declarou em 2015 para o Diário de Cachoeirinha, o historiador do município Guilherme Dias da Silva ressalta a importância histórica da casa, pelo estilo arquitetônico açoriano e por estar em bom estado de conservação. “Pode ser um dos mais importantes patrimônios da região metropolitana”, avalia. Além disso, por ser uma construção do período colonial, seu potencial arqueológico é incalculável. Para este levantamento deveriam ser preservados pelo menos seis hectares no entorno da construção. “Só o fato de existir uma senzala conservada já justificaria a sua preservação.”

Ou seja, um patrimônio histórico dessa relevância não pode de maneira alguma ficar a mercê de um empreendimento privado, caracterizado apenas como um provável “clube de lazer”. “A restauração de uma construção de tal porte deve obedecer a rígidos critérios de conservação dos elementos históricos ali situados, que não podem ser apagados por conta de qualquer reforma arbitrária no imóvel”, argumenta Michel Flores, morador do município e graduado em História pela UNISINOS.

E AGORA, O QUE FAZER?

A legislação atual não permite alterações nas configurações da região. Para dar início à construção de qualquer empreendimento na área, será necessária a aprovação, por parte dos vereadores, das alterações propostas pelo executivo no plano diretor da cidade.

Para além das questões burocráticas de responsabilidade do legislativo, uma etapa fundamental e indispensável é o debate com a população local. Uma das saídas para estabelecer esse diálogo com os moradores é a promoção de audiências públicas que contemplem todos os aspectos envolvidos: econômicos, ambientais e históricos. Mais uma vez, a pressão da comunidade é que vai definir o futuro do nosso resistente Mato do Júlio.

Mariana Mahlmann é moradora do município e atua como fiscal fazendária na prefeitura.

 

Imagem mais atual disponibilizada pelo Google Earth, de abril de 2019

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Foto: Luciano Oliveira de Souza.

 

Fontes:

https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/cachoeirinha/panorama

http://www.cachoeirinha.rs.gov.br/portal/index.php/noticias/item/4609-mato-do-j%C3%BAlio-proposta-deve-dar-fim-ao-impasse-hist%C3%B3rico-entre-o-munic%C3%ADpio-e-os-propriet%C3%A1rios-da-%C3%A1rea

https://www.diariocachoeirinha.com.br/_conteudo/2015/05/noticias/regiao/162140-o-ponto-de-partida-desconhecido.html