Brasília e o direito à cidade

Um colega havia dito que a cidade de Brasília parece ficção científica – e é verdade. Aliás, Branco sai, Preto fica vem desse universo, uma ficção às avessas naquela cidade cheia de monumentos mas vazia de sentidos. A esplanada é só o centro do plano piloto (como um bairro grande, com desenho de um avião) que, nele mesmo já expõe as contradições.

Benjamin Moser em Cemitério da esperança fala melhor sobre isso. Aquela euforia dos anos 1960 numa ideia absurda que, construindo uma cidade planejada no meio do sertão, transferindo pra lá a capital, todos os problemas do Brasil estariam resolvidos. Brasília é embalada pela Bossa Nova, também eufórica, e contemporânea de Carolina Maria de Jesus com seu Quarto de Despejo. Brasília carrega consigo o signo de contradição do desenvolvimento social brasileiro.

Brasília é uma cidade opressiva. Aqueles descampados, áreas imensas sem nada, só com a violência do espaço vazio, do concreto. Esses espaços que contrapõem os pobres isolados nas cidades satélites, e de novo trago Branco sai, Preto fica ao texto. O grande filme de Adirley Queirós se passa na Ceilândia, salvo engano a trinta e tantos quilômetros do plano piloto. O direito à cidade está entre as várias críticas que o longa bota à vista, assim como o racismo, violência policial etc.

Outro bom filme do diretor é A cidade é uma só? que também trata do tema do direito à cidade. Mostra a remoção de famílias com a promessa de modernização do espaço, coisa que nunca acontece. O que na prática se materializa são os processos de higienização das cidades, injetando tensão à relação de centro-periferia.

Aqui em Porto Alegre, há alguns meses, uma situação entre as várias de luta por moradia me chamou atenção. Estava passando no centro da cidade e havia várias famílias acampadas em frente à Prefeitura e ao lado do Banco do Brasil. (As famílias tinham saído do local onde moravam por causa de brigas de facções e quando retornaram suas casas haviam sido destruídas. Cobravam, então, uma postura do prefeito para uma moradia digna). A contradição imediata é em relação ao banco, e a semelhança da comparação com os filmes é a ininterrupta postura dos governos em segregar as cidades e manter as assimetrias. O direito à cidade, como o próprio nome já diz, é um direito. Direito violado constantemente e que gera obras de arte de incrível força e trabalho estético como os filmes citados de Adirley Queirós.

Rodrigo Mendes