Bergman e a maturidade do espectador

Uma vez um professor meu, o grande Luís Augusto Fischer, disse em aula que certas obras de arte – a literatura, naquela ocasião – pediam um leitor maduro, experiente. Dizia que há obras que só conseguimos atingir seu âmago quando temos uma certa vivência, uma vida calejada. Ele dava como exemplo a obra do escritor Aureliano de Figueiredo Pinto. E eu dou como exemplo a obra do Gonzaguinha, por exemplo, em especial aquele disco maravilhoso Coisa mais maior de grande – pessoa.

            Pois bem, como essa coluna fala de cinema, pensei em relacionar essa pensata aí do Fischer com a sétima arte, e a primeira coisa que me veio na cabeça foi a obra daquele que, para mim, é o maior diretor de cinema, o sueco Ingmar Bergman. Na filmografia do cineasta, vemos temas como: questionamento da fé, memória, relações familiares tóxicas, condutas degradantes de personagens, amor, desejo, inveja, conflitos de identidade, erotismo, loucura.

            Poderia ir mais adiante, porque sua obra é um mundo à parte. Mas paremos aqui. Todos os temas acima elencados pedem um interlocutor maduro. Dificilmente uma pessoa com pouca experiência de vida assimila, digere temas assim – e aqui não falo em idade, falo em experiência, vivência de vida, pois, como diz o Racionais em “Mágico de Oz”: “Moleque novo que não passa dos 12 / Já viu, viveu, mais que muito homem de hoje”.

            Não são todos os seus filmes que são assim, mas a maioria dentre os que vi. Por exemplo: O sétimo selo (1957) é muito bom, trata sobre a perda da fé num contexto de pandemia (a peste bubônica) na Idade Média, mas sua abordagem é tranquila. Já Luz de inverno (1963), o buraco é mais embaixo. O padre que perde a fé, e depois volta a pregar não tão convicto assim, trabalha de maneira mais densa a questão da crença. Persona (1966) é talvez a obra-prima do diretor e é extremamente complexo. Duas mulheres que num convívio diário quase enlouquecem, e ali há desejo, raiva, violência, e um conflito de identidades muito interessante. Também não é para iniciantes. Gritos e sussurros (1972) do mesmo modo: três irmãs, uma com uma doença grave, e a relação desgastante, cheia de egoísmos e oportunismos, filmaço. A paixão de Ana (1969) trata de traumas familiares, morte de entes queridos e tentativa de feminicidio de uma maneira brutal, um filme arrebatador.

            Há filmes, contudo, como O rito (1969), um filme para a televisão segundo o site IMDB, que é mais acessível, tem uma pitada erótica, meio cômico; A flauta magia (1975), também para a TV segundo o mesmo site, um musical, adaptação da ópera de Mozart, também é acessível. Mas no geral, Bergman trabalha fundo na alma humana e requer um interlocutor experiente para captar e sentir o filme como ele merece. É um grande diretor, cujos filmes, por tratarem do que resumidamente abordei aqui, é sempre atual.

Rodrigo Mendes