Antifascismo, cores e cancelamentos: uma nova imaginação

Por Mariana Mahlmann e Cris Castro.

Recentemente um certo Felipe Alencar desenvolveu o gerador de bandeiras antifascistas no “Github”, uma plataforma para gerenciamento de projetos colaborativos. O próprio nome traz em si o conceito “Git”, que representa um sistema de controle de versão que permite atualizações do código base, desenvolvido pelo engenheiro de software Linus Torvalds (criador do Linux, o mais popular entre os sistemas operacionais livres, que permite a qualquer pessoa utilizar, estudar, modificar e distribuir livremente de acordo com os termos de licença). Porém a iniciativa de Felipe parece ter deflagrado uma onda de críticas à suposta “memetização” do mais conhecido ícone antifascista, sob a preocupação de deslocamento de significado em seu contexto original. Para examinar o fato, propomos uma estratégia de análise à luz da leitura desses objetos sociotécnicos na abordagem da linguística e da semiótica.

Habitamos um mundo codificado por um aparato simbólico de alta linguagem. Na mesma medida em que a tecnocultura humana parece nos arremessar para o interior de um pesadelo kafkiano, também é verdade que a cibernética proporcionou um território que, apesar de coordenado verticalmente pelas agências de controle, por outro lado também se alastra horizontalmente, então esse jogo não se dá em um campo hegemônico, esse jogo é de poder. E de tensões transversais. É nesse território que os signos se libertam e avançam rumo ao seu estágio viral, capaz de produzir singularidades. Singularidade como ponto de fuga dentro da engrenagem, ou seja, aquilo que há de revolucionário no novo, que ainda não nasceu, e o velho que já não serve mais.

O próprio conceito de “virtual” é utilizado de forma superficial, quase sempre comparado a “real” e fazendo emergir uma falsa dicotomia. A disputa dentro do campo cibernético não tem nada de fictícia, esse campo também é real, e polêmicas como a de “quem detém a propriedade de um símbolo” não podem silenciar o caráter legítimo dessas manifestações, sejam elas presenciais ou virtuais. Lançando mão de algumas definições estabelecidas pelo dicionário, podemos elucidar melhor esse conceito:

significado de Virtual (adj.):

  1. Diz-se daquilo que é possível realizar; que poderá vir a acontecer; que é praticável ou exequível;
  2. Diz-se do que não é real ou concreto, mas existe em potência; potencial ou latente.

O virtual é um espaço de representação, de abstração e que, com o decorrer do tempo e do avanço das tecnologias, no território onde habitamos, não apenas representamos algo, mas também torna possível a existência de um duplo. Ele existe em potência e tem outro tipo de materialidade, que influencia o modo em que o espaço comum é afetado.

Talvez essa indignação, ou melhor conceituando, esse estranhamento (fremdheit), que consiste na atitude de afastar-se da letargia da alienação (entfremdung), abandonando a atitude passiva perante o mundo e seus contextos, seja merecedora de compreensão, afinal o que se move por detrás dessa sensação de “profanação” representa a fantasia da destruição simbólica de um espaço-tempo de refúgio, para aqueles que incorporam concretamente o antifascismo em suas práticas cotidianas. Apesar disso, dentre os desafios que nos convocam a pensar esse “novo agora”, incluem-se os símbolos como aspectos dinâmicos das culturas que, continuamente, assimilam novos traços, abandonando os antigos, ou até mesmo assumindo um caráter composto. A contemporaneidade é multicolor. Se a compararmos com a impressionante ausência de cores que existia no período anterior à Segunda Guerra Mundial, entenderemos o porquê do símbolo dos “Antifaschistische Ausschüsse” – comitês antifascistas com estratégia de Frente única, idealizado pelos designers Max Kleison e Max Gebhard, membros da Associação de Artistas Visuais Revolucionários, ser inicialmente monocromático. A paleta vermelha tomou por inspiração a cor da “RFB – Roter Frontkämpferbund” (agrupamento paramilitar comunista formado em 1924). Se nosso entorno é repleto de cores e estímulos de toda grandeza, o que nos faz pensar que o estatuto de discurso do signo não seja reatualizável, passível de ser comentado e relançado? Quem dera se na radicalidade da renovação encontrássemos um novo “todo” organizado de sentido que nos inspire a especular novos futuros livres do cio da cadela do fascismo.

Mariana Mahlmann é Linguista , Cris Castro é designer gráfico e licenciando em filosofia. Ambos militantes da Resistência Popular Sindical.