A lógica do reality show e o cinema

Talvez o reality show mais eloqüente dos últimos tempos – e que eu conheço e já vi trechos – seja o da família Kardashian. Kim Kardashian é uma “personalidade da mídia”, como nos informa o Google em uma simples pesquisa. Essa terminologia já diz bastante. O programa é um simulacro de realidade, um programa da realidade, em uma tradução literal tosca do original reality show. Kim é uma socialite americana, que faz parte da família Kardashian, cujo cotidiano por incrível que pareça verossímil nos é mostrado no programa, que passa em TV fechada. A estrutura de montagem e cenas visa emular um documentário, intercalando trechos “documentais”, ou seja, uma espécie de entrevista com as personagens, que falam dos conflitos de seu duro cotidiano. Essas cenas de supostas entrevistas são intercaladas a cenas de representação do dia a dia das personagens, que ora estão em restaurantes, ora em eventos, sempre com roupas de grifes e problemas banais. Como disse acima, é capaz que seu cotidiano seja assim mesmo, o que indica que não há mais limite entre a representação de um programa e a vida de determinadas pessoas. Esse tipo de visão de mundo (do simulacro, da representação de papéis, etc) encontra eco no cinema, naturalmente, já que é a arte da representação da vida através de imagens. Filmes como o genial Holy Motors questionam esse mundo em que a vida parece ter se diluído em representações cada vez mais falsas, de simples repetição de cenas, que imita a repetição da vida, em um mundo no qual a subjetividade está em baixa.

Seguindo a linha, há um reality show de uma família de anões. Este vi menos trechos ainda e não sei o enredo. Contudo, é de se perceber a perversidade de colocar uma família cujo atributo principal seja uma deficiência física para expor-se de tal maneira. O cenário de zoológico, de exótico no pior sentido da palavra, retirando-lhes toda sua subjetividade, restando somente um objeto vazio, é o que o define. Isso nos remete rapidamente a Freaks, grande filme de 1932 dirigido Tod Browning. A tradução literal é ‘aberrações’, mas creio que o longa no Brasil é conhecido por Monstros. De que trata o filme? Pessoas com diversas deficiências (não me lembro se só física ou também intelectual) “trabalham” em um circo. Melhor seria um circo-zoológico, no mesmo movimento que o reality show parece trazer. O importante é reter a informação de que o reality show é uma forma vazia, simples repetição de rotina e imitação superficial da vida real, com violência potencializada neste que apela para o exotismo.

Há programas de TV que não parecem, mas também obedecem à lógica de realities show. Por exemplo: todos os programas de comida. Aqueles cozinheiros são antes de tudo atores, que fazem gestos milimetricamente calculados, assim como os olhares de câmera, as falas, tudo é pensado de antemão, retirando a naturalidade em cena, que num bom filme é representado, porém carregado de experiência. Nem vale a pena o comentário a programas mais comuns, como BBB ou Fazenda aqui no Brasil. Vejo nas Kardashians o melhor exemplo dessa imagetização do mundo, sei lá como chamar de maneira clara. Assim como a propaganda, também já abordada por mim aqui, esses programas compartilham uma íntima relação com o cinema. Cabe a nós distinguirmos os limites.

Rodrigo Mendes