Em Curitiba há um cinema de rua – hoje são raros na paisagem urbana das cidades – chamado Cine Passeio. É um prédio histórico e bem conservado, e lembra a nossa Cinemateca Capitólio, embora aquele não tenha sido cinema desde a década de 1920. Lá assistimos eu e minha companheira ao filme A crônica francesa, do Wes Anderson, 2021. É sobre ele que comentarei brevemente nesta coluna de retorno, a primeira do ano. (E é claro, de praxe, que muito do que eu disser aqui eu devo a Evelin, como minha interlocutora e grande pensadora/debatedora do cinema.)
Wes Anderson tem alguns traços estéticos discerníveis, mesmo para mim que assisti somente a dois de seus filmes, Moonrise Kingdoom (2012) e Grande Hotel: Budapeste (2014). A crônica francesa não é diferente: uma paleta de cores bem colorida, meio fosca; imagens e cortes rápidos e algo robóticos, mas que são assim de propósito, levemente irônicos, divertidos; personagens excêntricos, diferentes, engraçados por vezes.
O longa, que é o último do diretor, parte de uma matéria muito interessante e diferente: são crônicas de um jornal americano na França – que existiu na vida real – filmadas na sua sequência, como se as estivéssemos lendo no jornal. Aparece na tela: seção tal, página tal, título e aí começa a narrativa. Muito interessante. Esse é um recurso que tem muito a ver com o tom fabular que Anderson imprime nos seus longas. Também coloca o filme numa linhagem de películas que não são realistas, não se propõem a contar uma história de forma verossímil. Preferem as sugestões, as imagens às vezes surreais, e uma abordagem que não maquia o fato de que aquilo que vemos não é a verdade, é apenas um filme de ficção.
Alguns dos atores e atrizes comuns nos filmes de Anderson aparecem aqui novamente: o incansável Bill Murray, Léa Seydoux, Owen Wilson, além de outros como Tilda Swinton, Benicio Del Toro, Adrien Brody e outros. São ao todo cinco ou seis curtas que compõem o longa, e são amarrados pelos estrutura narrativa da revista, são crônicas que não tem relação em si e que formam o mosaico cronístico daquele periódico. Aliás, isso é bem como os jornais e revistas de hoje, muitas vezes são uma salada de fruta com temas disparados entre si, mas que às vezes dividem uma mesma página do tabloide.
O filme é irônico. Por isso, tem que dar um passo atrás e observar atentamente a imensidão de cores, formas e informações discursivas ou não, escritas ou não, que aparecem na tela. Referências a outros filmes e diretores também estão presentes, uma clara ao famoso cineasta francês Jacques Tati. É um longa que vale a pena ver. Anderson é um bom diretor, que tem um jeito peculiar de fazer cinema, assim como muitos outros, embora não seja um cineasta da primeira linha na história do cinema, nem mesmo num recorte da atualidade. Vale a pena conferir.
Rodrigo Mendes