Moradores do alto do Morro do Quilombo, em Florianópolis (SC), se unem para fazer o calçamento de servidão sem infraestrutura urbana. A comunidade ignorada pelo poder público constrói há quatro meses seu próprio caminho em busca de uma vida digna.
Existe um desvio no trajeto de quem percorre a rodovia Admar Gonzaga, estrada que testemunha em suas duas margens uma série de instituições públicas e serviços que atendem parte privilegiada do bairro do Itacorubi. Entre a sede da EPAGRI e o campus da UFSC, um breve trecho de estrada chega ao acesso para a rua do Quilombo. Depois de certa altura, subindo morro, não é difícil identificar o limite que marca o abandono do poder público. Servidões que não são abastecidas pelas redes públicas de água, luz, saneamento.
Entre tudo o que faz falta também constava a pavimentação das vias que, agora, está sendo realizada por iniciativa dos moradores da servidão da Jaca, às suas próprias custas e com o apoio que eventualmente conseguem de fora da comunidade, entre parentes e conhecidos que podem contribuir com materiais ou dinheiro. A mobilização para o calçamento começou em maio, com os esforços iniciais de alguns moradores que buscavam de porta em porta a união entre as famílias da servidão desassistida. A dificuldade de acesso às moradias é uma realidade para todas essas 270 famílias. São comuns ali as memórias de ter trazido nas costas os materiais para construir suas casas e suas vidas. Depois de quatro meses de trabalho, com aproximadamente 250 metros de rua calçados, também é um consenso o benefício da conquista que vem sendo alcançada. Da mesma forma, entre aqueles mais engajados no esforço coletivo, a avaliação do aprofundamento do sentimento de coletividade é muito positiva. Todos que pegam nas enxadas e movem pedras sabem que essa conquista só é possível agindo juntos, seja tapando buracos ou cavando valas, seja contribuindo com o rateio dos materiais e acreditando na ação coletiva.
O trabalho na pavimentação é cotidiano. O companheirismo que vai nascendo da colaboração, com os pés na lama, já permite que todas as manhãs, bem cedinho, alguém passe junto das casas chamando os vizinhos para continuar a obra. A contribuição é dada na medida da capacidade de cada um: tem quem amanheça com as mãos na massa; tem quem chega do emprego no fim do dia e mal senta pra tomar café antes de pegar a enxada. São os homens que trabalham diretamente no calçamento e, embora não carregarem pás e lajotas, as mulheres garantem a água e a preparação dos alimentos que fortalecem aqueles construindo a rua. O conhecimento para planejar e a técnica para executar o projeto vêm da própria comunidade. Um dos moradores, com experiência em construção civil, compartilha sua experiência e seus saberes com os companheiros para realizar o objetivo comum. Contudo, todas as decisões a respeito da obra são produto de um consenso. As decisões coletivas são tratadas com seriedade, tiradas principalmente durante o trabalho, mas também nos momentos compartilhados de lazer.
Mas nem toda a harmonia do mundo faria o processo deixar de ser penoso. O trabalho é motivado por uma grande necessidade e só por isso não é evitado, mesmo acontecendo em condições precárias. O dinheiro que é arrecadado entre as moradoras já faz falta no orçamento familiar e ainda não foi suficiente para comprar todo o material necessário. Quer dizer que também não puderam comprar ainda EPIs, equipamentos de proteção para a execução segura da obra. Assim todo mundo que trabalha diretamente no calçamento corre o risco de se sofrer algum tipo de lesão.
Embora seja um passo importante em direção a uma vida mais digna, a comunidade seguirá tendo dificuldades enquanto continuar “invisível” para o poder municipal, que não oferece o mínimo que é sua responsabilidade. Uma porção desse espaço onde os moradores constroem coletivamente um novo caminho para suas vidas nem existe oficialmente nos mapas da cidade. O diálogo com o poder público se limita ao oportunismo e às promessas vazias que vêm e vão com o calendário das eleições municipais, sem resultar em alguma transformação nas condições de vida. Segundo alguns moradores, desde o início da sua mobilização foi buscado um meio de avançar no processo de regularização da área, com o objetivo de garantir a legitimidade das suas demandas diante dos poderes municipais. Inicialmente procuraram apoio na Associação do Bairro Itacorubi (ABI), acreditando no sentimento comunitário que supostamente anima uma organização dessa natureza. O contato, no entanto, não obteve resultados para a sua luta.
O povo pobre organizado responde muito melhor aos seus problemas do que as autoridades, que novamente se mostram socialmente irresponsáveis. Tanto no que se refere às necessidades básicas e cotidianas, quanto a respeito do aprofundamento das dificuldades durante um período de calamidade pública, como é o cenário atual da pandemia.
As relações construídas no processo de pavimentação da servidão da Jaca resultaram em um sentimento crescente de coletividade. Com as mesmas dificuldades, existe também um esforço de distribuição de cestas básicas para as famílias das moradoras. A iniciativa é uma verdadeira necessidade, considerando os efeitos da pandemia sobre a renda e o trabalho em Florianópolis, especialmente entre a população mais pobre. Pelo menos metade das famílias da servidão da Jaca já sofreu com a perda do emprego e do salário. Os desafios são enormes e exigem uma solução para essa condição de exclusão em relação à cidade. Ignoradas pelo Estado, diante da queda da renda e do aumento do preço dos alimentos muitas pessoas dependem do apoio mútuo para sobreviver.
COMO APOIAR OS MORADORES DO MORRO DO QUILOMBO
Diante de tudo isso, a comunidade apresenta sua luta e pede por apoio com suas próprias palavras:
“A união faz a força! Nós moradores do Morro do Quilombo sabemos disso, e estamos calçando a rua com as próprias mãos! Já foram quase 300 metros! Mas agora a Servidão da Jaca precisa da sua ajuda para terminar esse trabalho. Você pode nos ajudar? Estamos em buscas de materiais de construção para terminar a rua: cimento, lajota, areia, brita… E de alimentos e produtos de higiene para distribuição de cestas básicas na comunidade!
Pode ajudar? Entre em contato por WhatsApp para saber onde entregar os materiais, ou deposite qualquer valor na conta:
Gilvando Pinheiro de Brito
Banco do Brasil
ag 1453-2
cc 123231-2
CPF 04633494589
Juntos somos fortes! Lutamos por vida digna!”