Acreditamos que o recuo do governo frente à mobilização das centenas de milhares de trabalhadoras e trabalhadores que se puseram bravamente às ruas foi uma conquista exemplar na luta pela manutenção dos direitos conquistados historicamente, porém essa luta ainda não se finalizou
da Resistência Popular Sindical-SP:
No dia 08 de março de 2018, os servidores públicos municipais de São Paulo, sobretudo da área da educação, iniciaram uma paralisação para combater o Projeto de Lei 621/2016, o Sampaprev, proposto, inicialmente, na gestão Fernando Haddad (PT) e levado adiante pelo então prefeito João Dória (PSDB). Sob o argumento de um “déficit” no IPREM (Instituto de Previdência Municipal de São Paulo), o projeto visa o aumento da contribuição previdenciária, passando dos atuais 11% para 14%, que se elevaria progressivamente até 19%. Além do aumento da alíquota, há o estabelecimento de uma previdência complementar, sob gestão privada. Na prática, o Sampaprev possui um caráter confiscatório [1], absorvendo grande parte da renda dos servidores municipais (somando os descontos mensais da alíquota e do Imposto de Renda). A instituição de uma previdência complementar privada também contribui, a longo prazo, para o desmonte da previdência pública, uma vez que o IPREM sofreria uma drástica redução de recursos com o passar dos anos, resultando em sua falência. Trata-se, portanto, de uma empreitada que precariza radicalmente a situação do funcionalismo público, atendendo aos anseios de lucro dos bancos, interessados na gestão da previdência privada [2].
O Sampaprev, apesar de se restringir ao funcionalismo público do município, não pode ser descolado dos ataques aos trabalhadores que vêm sendo sucessivamente realizados em âmbito federal — com o desmonte dos direitos trabalhistas, terceirização irrestrita e congelamento dos investimentos públicos por duas décadas. Ao prosseguir com o projeto, Doria objetivava um feito que Michel Temer (MDB) não conseguiu: a aprovação de uma “reforma da previdência”, sinalizando força política ao empresariado.
Finalizada no dia 27 de março, após recuo do governo, que retirou o projeto de pauta por 120 dias, a greve dos servidores municipais adquiriu grandes proporções. No que se refere especificamente aos trabalhadores da educação, os dados são significativos: mais de 90% da rede escolar do município aderiu à greve. Professores, quadro de apoio, coordenadores pedagógicos, diretores, supervisores: a gravidade da pauta estimulou a adesão expressiva de diferentes profissionais da educação. O apoio da comunidade escolar (estudantes e comunidade) foi fundamental, auxiliando na construção e na participação do movimento. É importante lembrar que a comunidade escolar e os trabalhadores em geral foram duramente atingidos pelos ataques da gestão Doria, que reduziu as verbas na educação municipal (com o fechamento de laboratórios de informática, salas de leitura, restrições à repetição da merenda, fim do programa “leve-leite” e transporte escolar gratuitos), além de promover o fechamento de AMAs, o corte do orçamento destinado ao combate às enchentes, a retirada de cobradores dos transportes coletivos e o projeto de cortes e extinção de linhas de ônibus importantes da cidade.
O protagonismo da base foi determinante para a greve contra o Sampaprev obter ganhos expressivos. Dos 55 vereadores que compõem a Câmara, ao menos 44 pertencem à base da gestão Doria; a aprovação do projeto, portanto, seria facilmente emplacada se não houvesse importante resistência fora da política institucional. Os servidores públicos compareceram em peso ao centro da cidade durante as paralisações, audiências públicas e votações nas comissões da Câmara; tamanha adesão, inclusive, foi reforçada após a brutal repressão do dia 14 de março, contrapondo a GCM e a PM do governo Alckmin às reivindicações dos grevistas — que foram feridos pelos agentes do Estado [3]. As massivas manifestações no centro de São Paulo, porém, não foram os únicos instrumentos utilizados pelos trabalhadores: diversas manifestações regionais foram construídas ao longo da greve. Os atos regionais desempenharam um papel fundamental para a manutenção do protagonismo da base. Por meio da articulação dos comandos de greve regionais com as respectivas comunidades, diversas ações foram desenvolvidas — entre elas, podemos citar, por exemplo, aulas públicas e atos informativos em determinados pontos dos bairros. As ações regionais foram importantes para estimular o sentimento de solidariedade junto à comunidade, bastante receptiva e partícipe dessas mesmas ações. Falando especificamente dos trabalhadores da educação: ao procurarem ocupar as periferias da cidade, os trabalhadores contribuíram significativamente para a massificação do movimento, divulgando os ataques da gestão João Doria. As ações regionais, além de contribuírem para a massificação do movimento, foram cruciais para a construção de um movimento de base, não restrito aos direcionamentos da estrutura sindical.
Fundamental lembrar que Cláudio Fonseca, por exemplo, presidente do Sinpeem (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo), é vereador de São Paulo pelo PPS, partido integrante da base aliada de Doria. Na complicada conjuntura que nos encontramos desde meados de 2015, não é exagero afirmar o papel contraproducente desempenhado pela maioria das centrais sindicais, que pouco se mobilizaram de forma efetiva no sentido de frear os muitos ataques impostos à classe trabalhadora pelo Estado em benefício dos detentores do capital. A estrutura verticalizada de boa parte da burocracia sindical, com uma cúpula frequentemente tomando decisões à revelia das demandas da base, tem se mostrado cada vez mais ineficaz na defesa dos interesses da classe trabalhadora. No caso específico do Sinpeem, a expressividade da base e a construção de mobilizações intensas fora do âmbito central foram meios de pressionar o sindicato a não recuar durante a luta. Em suma: uma greve construída pela base e para a base.
A retirada do Sampaprev da pauta da Câmara, ainda que por 120 dias, representa uma conquista das trabalhadoras e dos trabalhadores, que atuaram de forma organizada. A despeito dos percalços, foi possível demonstrar que, mesmo em uma conjuntura bastante adversa, a atuação de uma categoria profissional e comprometida com a pauta de reivindicações é capaz de acuar projetos políticos que visam à precarização da classe trabalhadora. Acreditamos que o recuo do governo frente à mobilização das centenas de milhares de trabalhadoras e trabalhadores que se puseram bravamente às ruas foi uma conquista exemplar na luta pela manutenção dos direitos conquistados historicamente, porém essa luta ainda não se finalizou. A implementação de uma reforma previdenciária vêm sendo uma das principais pautas econômicas levada a cabo pelo governo dos patrões e, como já previsto, ela será retomada. Cabe lembrar que essa “reforma” em âmbito municipal não está dissociada dos ataques postos em nível federal, como mencionamos, e que após as eleições, independentemente do partido ou candidato eleito, também retomará a pauta no Congresso. É com a atuação organizada e incisiva dos de baixo que podemos impedir retrocessos e lutar em prol de nossos interesses, forçando também, desta forma, os sindicatos e grandes centrais a se movimentar e não entregar a luta em troca de velhos conchavos e conciliações.
Tomemos a luta desde abaixo!
Não teve arrego!
Fontes:
[1] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/03/tribunal-de-contas-de-sp-critica-reforma-da-previdencia-de-doria.shtml
[2] https://reporterpopular.com.br/por-que-a-febraban-doou-meio-milhao-de-reais-para-um-estudo-sobre-a-previdencia-dos-servidores-de-sao-paulo/
[3] https://reporterpopular.com.br/sp-professores-e-servidores-de-sao-paulo-mostram-forca-e-sao-reprimidos-na-camara/