25 de março de 2018, Bruno Lima Rocha
O tema é preocupante e agora deixou de ser uma especulação para entrar no campo das probabilidades. Para o fascismo avançar, de forma “clássica”, seria preciso uma estrutura organizada, um partido organizado de fato, algo que nem sequer o Dr. Enéas Carneiro arriscou organizar. Massificar a extrema-direita – por uma vertente de verniz nacionalista-conservador ou mais alinhada com a “linha chilena” – não é tarefa fácil e menos ainda controlável. Na ausência de um partido fascista, não tendo nem sequer uma legenda eleitoral nitidamente identificada com as duas vertentes listadas acima, passamos para uma segunda caracterização.
O Brasil vive um clima fascista nas redes sociais e que vai ao encontro de dois fenômenos permanentes na estrutura social das classes sociais oprimidas no país. As duas estruturas abaixo incidem sobre a democracia brasileira (liberal, indireta, mas tensionada por uma Constituição Cidadã e o reconhecimento de direitos de 4a geração) e foram catalisadas pela força difusora do ódio e da imbecilidade através de dois expoentes desta demência coletiva. O deputado federal pelo Rio de Janeiro e pré-candidato à Presidência, Jair Bolsonaro (PSC/RJ) e o incansável difusor de teses conservadoras e estapafúrdias na rede, o astrólogo Olavo de Carvalho. Estes dois personagens acima seriam apenas ridículas caricaturas (pelo critério de razoabilidade) caso não tivessem sendo propaladas através da internet massificada no Brasil e indo ao encontro de duas instituições sociais – difusas, mas perenes – como as citadas abaixo.
Primeiro, o dia a dia da maior parte de nossa população, em especial das maiorias urbanas e periféricas (vivendo nas 30 Regiões Metropolitanas) é atravessado pela violência estatal, o controle estendido das facções oriundas do domínio do sistema prisional e da precariedade nos direitos civis. Isso cria um clima fascistoide, onde transitam com vigor as lógicas como “bandido bom é bandido morto”. Mais à frente, em outras publicações, vamos debater (novamente) o carcomido modelo policial brasileiro.
A segunda permanência na estrutura social brasileira é o crescimento vertiginoso do neopentecostalismo. Estas “igrejas” de formato empresarial captam liquidez financeira (com doações desproporcionais a renda dos fieis e em espécie) e adesão nas bases da sociedade e não são unificadas, concorrendo entre si. Mas, estas “igrejas” acabam tendo alguns expoentes midiáticos como o “bispo” Edir Macedo (e seu sobrinho prefeito do Rio de Janeiro pelo PRB, Marcelo Crivella, PRB/RJ); o pastor e deputado federal por São Paulo Marco Feliciano (do Avivamento, um ramo da Assembleia de Deus e com mandato pelo PSC/SP) e o melhor polemista de todos e também o mais agressivo, líder da ala majoritária da Assembleia de Deus no Brasil, o pastor e psicólogo Silas Malafaia.
Essas duas presenças (violência policial e para-policial e neopentecostalismo conservador) e as consequentes compreensões de fenômenos como violência estatal, economia do crime, postura predatória e individualismo levam a um ódio entre os debaixo e o apoio consequente a práticas ilegais de repressão, chegando a apoiarem execuções extra judiciais.
O encontro é explosivo, pois a propaganda absurda do clã político dos Bolsonaro encontra eco na pregação do ódio por Marco Feliciano e dos giros cada vez mais à direita política, ideológica e eurocêntrica de Silas Malafaia. Ao mesmo tempo, esta mensagem ganha impacto nas camadas populares e entre operadores das Polícias Militares – que em geral não questionam o modelo da instituição – e defendem as práticas de violência excessiva, diuturnamente praticadas. É uma soma explosiva quando há vazio político, criminalização tanto dos intermediários profissionais (em geral oligarcas comprometidos consigo mesmos, vide o Congresso do golpe) como do empresariado familiar brasileiro (dilacerado após a Lava-Jato). Como a centro-esquerda após 13 anos de governo nacional com aprovação popular recorde não criou uma nova base social permanente, estamos diante do abismo ideológico a ser conquistado. Já soou o gongo.
2013, Venezuelização e os pregadores do ódio
Se formos recapitular os episódios brasileiros desde 2013, ficou evidente algo. Os governos lulistas (PT como partido de governo, PC do B como força aliada principal e a composição de pacto de classes) não criaram uma força social para servir como base para além do eleitoral. Daí a surpresa que todas e todos tivemos com a adesão massiva em 2013 – muito antes de junho, me refiro, por exemplo, à vitória do direito coletivo arrancado a unha em Porto Alegre ainda em maio daquele ano – e reorientação dos grupos de TV sobre o Junho. Recordo que os carros das equipes de televisão estavam sendo incendiados por quem ocupava a rua protestando contra o aumento das passagens e os repórteres trabalhando sem canopla, ou seja, sem identificação das emissoras. Em seguidos episódios, os editoriais foram modificados e as coberturas alteradas para louvar os “bons protestos” (sugiro conferir os trabalhos dos jovens jornalistas gaúchos Pedro Kessler e Anderson Huber).
A outra “surpresa” veio na sequência, com a incrível capacidade da excrescência dar a cara na rua, no processo conhecido em 2014 e em 2015 como a “venezuelização da política brasileira”. Ainda no final de 2014 já havia atos na Avenida Paulista com 20 mil alucinados convocados por pastores e o clã Bolsonaro contestando os resultados eleitorais. Isso concomitante à maturação da nova geração de neoliberais militantes, cujo expoente máximo é a empresa que atende pela sigla de MBL e sua incrível capacidade técnica de criar fatos políticos a partir de factoides digitais e a decorrente perseguição de seus alvos e desafetos.
Hoje, aqueles e aquelas que conhecem um pouco da nova direita cibernética brasileira (operando no Brasil seria o melhor termo) veem que há uma tendência à separação entre “liberais” x “conservadores”, respectivamente estando os primeiros sob os holofotes do MBL e os segundos sob a liderança de Bolsonaro. As teses podem se aproximar, já que têm inimigos comuns, motivações semelhantes, a mesma incidência de valores e simbologia da política neoconservadora dos EUA e uma enorme munição de gerar fatos controversos e “fake news” através das redes sociais.
A soma destes setores é desproporcional à sua capacidade de convocatória pela internet. Mas tal como as fake news, alguém, alguns, pensam parecido e emitiram tais enunciados para um robô, empresa ou algoritmo cruzar e propagar. Ou seja, atrás desta fumaça, há fogo. Não apenas há fogo como há uma dimensão autorizativa de propagar o ódio, de virar o fio, algo que as maiores empresas de comunicação, a começar pela própria Globo, resolveram colocar um pé no freio – ao menos na rede aberta e em formadores de opinião conservadora – após os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Se há alguma responsabilização por este conjunto endêmico de ódio social, reproduzindo o pior do Brasil em todos os níveis, eu concordo com a tese de Luis Nassif e atribuo a campanha dos maiores grupos de mídia contra as tímidas políticas compensatórias do lulismo. A começar pela maldita campanha contra as cotas e a ridícula tese do Diretor Geral de Jornalismo e Esportes da Globo, Ali Kamel, com seu livro “Não somos racistas” (editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2006). Ou então na presença de Reinaldo Azevedo com seu blog à frente da Veja (onde trabalhou por doze anos, até maio de 2017) cunhando termos como “esquerdopata”. Depois de propalado, com a potência que tinha a revista semanal dos Civita, o estrago encontra eco nas cloacas da sociedade e se dispersa perigosamente.
Para concluir esta breve série, é preciso compreender – interpretar ao menos – efeitos da Lava-Jato e do governo Temer sobre esta ameaça. Estamos diante da quebra do pacto de classes do lulismo- situação conjuntural que leva a uma derrota estrutural em termos econômicos – e do dilacerar da Constituição – esta sim uma derrota estratégica que todo o povo vem sofrendo – o país viveu um transe – que já passou – onde todas as piores teses, as mais asquerosas e horrendas, entre regressivas e racistas, vieram à tona. A agenda do Congresso antes do impeachment do segundo governo Dilma já era terrível e continuou sendo, ampliando ao máximo a regressão de direitos.
Outro fator importante é o isolamento societário do governo Temer, auxiliando-se cada vez mais em cima do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do ministro e general Sérgio Etchegoyen, nos decretos de GLO (Garantia da Lei e da Ordem, como no Rio, por exemplo) e agora na pirotecnia – já fracassada – da Intervenção Federal no Rio de Janeiro (a ressaca pós-carnaval de Temer). Este conjunto explosivo, mais as falas perigosas do general – agora na reserva – Hamilton Mourão, somado ao impedimento – fático – de Lula concorrer, coloca o ex-capitão Jair Bolsonaro com 20% de intenções de voto caso chegue ao segundo turno. Por direita, extrema ou lavada, o “mito” se torna a opção “mais viável” para tentarem vencer as eleições, e a certeza mais segura de não conseguir governar, transformando o país em um caos em todos os níveis.
A situação é bem difícil e traz o elemento incendiário dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes (em 14 de março de 2018). Em outras circunstâncias, estes crimes estariam atados ao terrível contexto do Rio de Janeiro, com para-militarismo, controle territorial e violência recheada de execuções extralegais. Mas, como os assassinatos se deram sob Intervenção Federal e nas horas seguintes sofreram uma enxurrada de Fake News e crime contra a honra da militante do PSOL, negra, homoafetiva, feminista e cria da Maré, nos deparamos diante de um divisor de águas. Antes e depois deste crime. Definição explícita de lados, e o flerte do fascismo com alguma chance de exercício de poder – basta observar a campanha do Trump e como estes métodos estão se reproduzindo no Brasil – enquanto os conglomerados de mídia tentam se desvencilhar do monstro que ajudaram a criar.
Como já disse antes, o gongo já soou para o povo brasileiro. Nenhuma expressão fascistoide, seja pela Intervenção Militar, seja na candidatura de Bolsonaro, seja na versão de linha chilena e “fascismo de mercado”, nada disso pode passar!
Bruno Lima Rocha é cientista político, professor de relações internacionais e de jornalismo
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