Nota de desligamento de membros da comissão de aferição da UFRGS contra os retrocessos na política de cotas raciais

Em nota, organizações do Movimento Negro denunciam as práticas da reitoria da UFRGS que enfraquecem a Comissão de Aferição da Cotas. Uma Comissão de Recursos aberta a estudantes que tiveram seu ingresso indeferido não possui representatividade negra e indígena e, na prática, concentra poder de decisão sobre as cotas na instituição.

Eis a nota:

Nos últimos dias funcionou na UFRGS a Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Étnico-Racial (CPVA) nos processos seletivos Vestibulares SISU 2018. Demandada nacionalmente pelo Movimento Negro as Comissões são fruto da reflexão e acompanhamento no qual se entendeu que não havendo comissões que façam análise heteroidentificativa de candidatos cotistas raciais, as vagas cairiam na sua grande maioria para não-negros e não-indígenas. Tirando, portanto a vaga dos reais sujeitos de direito: negros (com pele preta ou parda) e indígenas.

Em 2017 o Movimento Negro oficializou denuncia com cerca de 400 nomes de estudantes que, em tese, teriam utilizado do mecanismo da “autodeclaração” e da interpretação equivocada do termo “pardo” para adentrarem por intermédio de cotas raciais, causando com isso, de forma intencional ou não, a fraude à política de cotas raciais, bem como o desvio da finalidade da referida política de combate a desigualdade racial. Mas antes mesmo desta denúncia outros 15 (quinze) processos, com o mesmo conteúdo, estavam (e estão) em tramitação na Universidade sem nenhum desdobramento real, ou seja, na prática a UFRGS atesta conivência com o ingresso de pessoas não-negras e não-indígenas nas cotas raciais.

Não respeitando os acúmulos construídos inclusive dentro da universidade a UFRGS resolveu fragilizar a política, as vésperas da aferição 2018, desrespeitou mais um ano de diálogo com o Movimento Negro, proibiu a participação efetiva da sociedade civil e por último alterou Decisão 212/2017 do seu Conselho Universistário, com as portarias 799/2018 e 800/2018. Estas modificações causam insegurança jurídica dando brechas para que candidatos/as não-negros e não-indígenas sejam “transformados” em cotistas raciais. Além de tal irresponsabilidade, coloca uma Comissão de Recursos na qual deve esquecer a fenotipia analisando de forma documental ascendência a geração dos avós.

Acreditávamos que com diálogo esse quadro ainda pudesse ser revertido, debatemos muito internamente e no fim fomos mais uma vez tolhidos quando a Reitoria atestou seus desmandos. Na prática a UFRGS permite que toda a pessoa indeferida que não seja vista socialmente como sendo pertencente aos grupos raciais demandados pela política sejam considerados cotistas raciais. Criaram a categoria “pardo-indígena”, um total desrespeito a construção histórica de identidade criado pelos próprios indígenas.

Por fim, mas com mesmo grau de absurdo, as Comissões não tem autonomia, pois a decisão final é feita pelo Gabinete do Reitor, ou seja, abre-se a monstruosa possibilidade de termos posicionamento político, e não técnico. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul cria uma comissão sem autonomia onde os atos podem ser anulados em gabinete advogando pelo esvaziamento das reservas raciais quando permite que candidatos/as fenotipicamente brancos entrem por cotas raciais

Tais atitudes são irresponsáveis, pois abrem precedentes para que público diverso ao acolhido pela política de cotas sejam beneficiados em detrimento aos verdadeiros sujeitos de direito. Mais uma vez a UFRGS atesta seu racismo.

Por respeito a tudo que foi construído nacionalmente no que se referem ao combate as fraudes e o desvio de finalidade da política de cotas raciais;

Por respeito às entidades do movimento negro e indígenas;

Por não compactuarmos com recuo de métodos e procedimentos já consolidados nas políticas de Cotas Raciais e,

Por responsabilidade com a luta contra o racismo e a desigualdade racial

Nós, estudantes e servidores, membros da Comissão da Universidade Federal do Rio Grande Sul encaminhamos pedido de desligamento.

Pelos motivos apresentados, apoiam nosso manifesto e saída:

FÓRUM NACIONAL DE COMISSÕES DE HETEROIDENTIFICAÇÃO EM CANDIDATOS COTISTAS;

BALANTA;

EDUCAFRO;

MNU – MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO

JUNTOS! NEGRAS E NEGRAS CONTRA OS RETROCESSOS NA POLÍTICA DE COTAS RACIAIS;

FEEDER/RS FÓRUM ESTADUAL DE EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE ETINICORRACIAL DO RS

CENTRO CULTURAL CANDIDO VELHO- GUAÍBA/RS

ENEGRECER

COLETIVO ANTIRRACISTA DANDARA ZUMBI – CACHOEIRINHA

COLETIVO NEGRAÇÃO

GRUPO DE AÇÃO AFIRMATIVA AFRODESCENDENTE – GAAA

AKANNI – INSTITUTO DE PESQUISA E ASSESSORAMENTO

QUILOMBO RAÇA E CLASSE

COLETIVO DE ESTUDANTES NEGROS/AS DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UFRGS

DCE – UFRGStas