Editorial do Repórter Popular
No dia 26 de maio de 2020, dezenas de grupos, organizações e movimentos sociais ao longo de todo o território nacional lançaram a Campanha de Luta por Vida Digna, através de uma carta-manifesto. O documento conta com 13 eixos de luta, que giram em torno de uma pauta emergencial no combate à pandemia do novo coronavírus. E pensando num horizonte pós-pandêmico, visa contribuir para o enraizamento da luta dos de baixo, segundo os princípios de solidariedade, apoio mútuo e ação direta, com o objetivo de construir um povo forte e combativo, mobilizado na luta por vida digna.
CAMPANHA DE LUTA POR VIDA DIGNA
PAUTA DE EMERGÊNCIA POPULAR CONTRA O CORONAVÍRUS
NOSSA FORÇA MOVE O MUNDO, LUTAMOS POR VIDA DIGNA!
Clique no botão “Play” para ouvir a versão em áudio-texto:
Nossa luta nunca parou. Ao redor do mundo, são os nossos braços que constroem e operam máquinas, que dirigem e entregam mercadorias, que projetam, fabricam, embalam, distribuem e vendem produtos. Nossa vida como povo sempre dependeu de estarmos na ativa, firmes e fortes, mesmo nas piores condições.
Condições que pioraram nos últimos anos. O governo, junto com os mais ricos do Brasil, flexibilizaram as leis trabalhistas (nossas garantias), precarizaram nosso trabalho (nossa dignidade), colocaram milhões na rua (nosso ganha-pão) e por fim, aos que ficaram, sobrou trabalhar quase que de graça.
Os investimentos nos serviços públicos diminuíram, fazendo a qualidade piorar. Muitas vezes nos fazendo correr atrás de convênios de saúde ruins para resolver problemas que antes eram resolvidos no postinho, ou ficar meses em uma fila da creche e ter que deixar o filho cada vez mais longe de casa. Depois de anos trabalhando e contando os dias para a aposentadoria, parece que agora nem adianta mais contar. Se temos um benefício baixíssimo do governo, outro que aparece não podemos ter. O pouco que falta é muito para quem não tem nada. Cada dia mais estamos sendo encurralados por quem não parece se importar.
Hoje, com a pandemia, a situação fica ainda mais perigosa e injusta. Ditam como essenciais atividades que mantém a vida dos mais ricos confortáveis e se não concordamos, somos dispensadas e dispensados. Não nos dão importância, nos matam ao nos deixar sem proteção trabalhando, não existe opção para quem depende de baixo salário. O deslocamento faz parte do trabalho, a aglomeração faz parte do trabalho.
Matam nossas crianças, entram em nossas vilas com tratores e em nossas casas sem permissão e continuam fazendo isso na pandemia. Parece que esse trabalho não foi interrompido, pelo contrário, estão matando mais pretas e pretos, pobres e mulheres.
Todos os dias vemos os povos indígenas exigindo que parem de matá-los também, de matar a natureza. Os indígenas dizem que a natureza revida. Nas chuvas, no frio e no calor, todos nós sentimos isso. Perdemos nossos bens, os peixes param de vir, as plantações sofrem e a noite nós pensamos: “Como podemos sobreviver mais amanhã?”. Não existe lugar em que possamos ir para resolver nossos problemas. Não existe fila que resolva.
A destruição dos nossos recursos naturais, das nossas águas e da nossa terra está na agenda dos grandes senhores do capital. Além disso, nossos povos originários e comunidades tradicionais gritam de dor e exclamam suas defesas em nome dos ancestrais caiçaras, coletores, marisqueiras e pescadores que cuidam de nossas matas, rios, lagoas, mares e terras produtivas para o povo.
Por isso, como trabalhadores, estudantes, desempregadas e desempregados, militantes e lutadoras e lutadores populares, jovens de periferia e do campo, gente que vive do seu trabalho e não aceita as condições horríveis que lhes são impostas, estamos organizadas e organizados em uma ampla campanha de luta por vida digna, contra a vida cara e violenta que nos é imposta e contra o horror da pandemia.
Nem aceitar passivamente a situação, nem deixar que o medo nos paralise: estamos em todo o país, nos organizando como pudermos para fazer ações de solidariedade, nas vilas e nas favelas. E nos colocando a serviço de quem precisa, sem nunca parar de dizer que essa crise tem culpados. Sem desistir de lutar por uma vida digna.
Diante deste cenário, nossas demandas e ações nesta campanha incluem diferentes eixos:
1) SAÚDE PÚBLICA E UNIVERSAL
Requisição dos meios particulares para ampliação do sistema público e gratuito do SUS. Testagem em massa e gratuito para trabalhadoras e trabalhadores, ampliação do número de agentes comunitários de saúde, estendendo para além da pandemia a maior atenção primária e valorização destes trabalhadores. Entre nós, valorizar e participar de ações de solidariedade organizadas em redes de apoio mútuo para conter o atual cenário de contágio do COVID-19, campanhas de distribuição de testes, máscaras de proteção facial e outros EPIs para a população e para profissionais da saúde na linha de frente no combate à pandemia. Para ajudar na produção de máscaras e distribuição às pessoas, ateliês de costura e costureiras tem feito um excelente trabalho em produzi-las e muitas vezes de forma gratuita.
2) DISPENSA REMUNERADA E RENDA SOCIAL PERMANENTE
Garantia de dispensa do trabalho nas atividades não essenciais, sem demissões e nem redução salarial. Renda básica permanente de PELO MENOS 1 salário mínimo e meio para todos os trabalhadores, principalmente o povo da economia informal, desempregadas e desempregados, trabalhadoras e trabalhadores em condições precárias na rua como de entrega e serviços. Este valor ainda está muito abaixo do valor apontado pelo DIEESE, que é mais de R$ 4 mil mensais para sustentar dignamente uma família de 4 pessoas.
3) SUSPENSÃO DE CONTAS, DÍVIDAS E PENAS
Suspender aluguéis, dívidas, empréstimos e multas. Isenção de tarifas de serviços essenciais que afetam a vida dos mais pobres. Liberação das penas dos presos no regime semi-aberto e de quem não tem julgamento. A grande maioria de presas e presos é pobre e negra, sofrendo com o encarceramento em massa que mata diariamente, humilha familiares e aprofunda o genocídio do nosso povo.
4) DIREITO A MORADIA DIGNA
Solidariedade à população em situação de rua e sem-teto! Suspensão imediata de despejos ou ordens judiciais de reintegração de posse. Fazer cumprir a função social de edifícios vazios para fim de moradia digna e amparo a todas e todos. Subsídio de hoteis próximos a hospitais para profissionais da saúde para proteção de suas famílias. Se morar é um direito, ocupar é um dever!
5) ABASTECIMENTO POPULAR
Disponibilizar mantimentos da merenda escolar para consumo em casa. Prioridade aos serviços de abastecimento e tratamento comunitários de água e esgoto, bem como fornecimento de energia elétrica, ou seja, serviço ininterrupto aos locais sem possibibilidade de armazenamento. Possibilidade de uso das cozinhas escolares para a produção de marmitas a serem distribuídas àqueles sem acesso à condições de preparo.
6) INVESTIMENTO PÚBLICO E DIVISÃO DA RIQUEZA
Aumento dos investimentos públicos para as necessidades populares de saúde, renda, abastecimento e plano de economia popular para suprir as urgências sanitárias. Taxação das grandes fortunas, dos lucros e dividendos dos grandes empresários e fim do ajuste fiscal.
7) CONTRA O GENOCÍDIO DO POVO PRETO, POBRE E PERIFÉRICO
Contra as ditaduras e o poder de governar pela morte do povo. Pelo fim da criminalização e encarceramento sistemático da população preta e periférica, justificado pela falácia da guerra às drogas. A crise é permanente contra o povo preto e pobre, atingidos pela ausência de direitos, afetos e oportunidades. Vigiados pela naturalização racista da higienização social.
8) DIREITOS DOS POVOS ORIGINÁRIOS E POPULAÇÕES TRADICIONAIS
É preciso fortalecer as redes de solidariedade e apoio mútuo com indígenas, quilombolas e povos da mata e das águas, pois com o território espoliado fica prejudicada a autonomia alimentar, as práticas de cuidado e de atenção à saúde. Pela imediata demarcação das terras indígenas e titulação dos territórios quilombolas! Pelo fim do genocídio nos territórios tradicionais! Contra o aparelhamento da FUNAI pelo missionarismo neopentecostal, que busca catequizar as populações indígenas não contatadas, levando a Covid-19 e outras epidemias, como o vírus do colonialismo!
9) PARALISAÇÃO IMEDIATA DA MINERAÇÃO NO BRASIL
A mineração foi considerada atividade essencial pelo governo federal. A continuidade da extração mineral nesse modelo só importa para quem lucra em cima da exploração dos trabalhadores do setor, cujas vidas já eram colocadas em risco, em condições de extrema insalubridade antes da pandemia. Tal decisão é parte do projeto genocida neoliberal, para garantir os ganhos estratosféricos do capital industrial e financeiro ligado à extração mineral. Essencial é a vida do povo!
10) REFORMA AGRÁRIA POPULAR E A LUTA DO CAMPESINATO
Reforma agrária já! Direito à terra e à alimentação de qualidade para todos! Com a pandemia, ficou ainda mais evidente que quem garante o abastecimento das cidades são os pequenos produtores rurais, as trabalhadoras e trabalhadores da terra. Pelo fortalecimento dos movimentos sociais do campo, linha de frente da luta pela terra. Pelo fim dos assassinatos no campo, a mando do latifúndio e do agronegócio. A luta e a resistência campesina garantem a soberania alimentar de todo o povo em território brasileiro. Pelo fortalecimento dos vínculos e redes de apoio mútuo e solidariedade entre campo e cidade na luta por vida digna.
11) PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
O isolamento social traz para perto das mulheres seus agressores e dificilmente elas conseguem expor a situação. Além de conviver com o silêncio da violência, são sobrecarregadas com o cuidado da casa e da família, o que afeta ainda mais sua condição psicológica. São as mulheres mais pobres que ocupam a linha de frente do atendimento à saúde e que se expõem como empregadas domésticas. Saindo de suas casas todos os dias ou em isolamento social, são elas, sobretudo mulheres pretas e periféricas, que sofrem mais de perto as dores e o medo da morte. A elas também segue sendo negado o direito sobre seus corpos e de interromper de forma segura uma gestação não desejada.
12) CONTRA O DESMONTE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA
Na luta contra qualquer corte que se apresente no orçamento ou na estrutura da educação pública. Contra os ataques aos trabalhares e trabalhadoras da educação! Pela suspensão do calendário letivo de escolas, institutos e universidade de acordo com a continuidade do isolamento social. Contra a política neoliberal de implementação do EaD ou de atividades remotas no setor da educação pública, uma vez que a realidade do povo brasileiro não permite o acesso aos recursos necessários, em especial durante a pandemia. Pelo acesso e permanência de crianças e jovens à educação básica de qualidade. Em defesa dos estudantes do povo. Pelo fim do vestibular!
13) DIREITOS DOS LGBTQIA+
As pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIA+ não se sentem seguras em um país onde a violência e a discriminação contra elas só aumentam. Transexuais e travestis que são ainda mais vulnerabilizadas social e economicamente por conta do preconceito e transfobia, enfrentam um grande obstáculo: a exclusão no mercado de trabalho. A discriminação e as violências psicológicas causadas pelo atendimento inadequado no sistema de saúde faz com que essas pessoas não procurem por atendimento médico, exceto em emergências. E durante a pandemia essas situações de vulnerabilidade só se agravam. Pela inclusão de pessoas trans no auxílio emergencial, pela sua ampliação para essas trabalhadoras informais invisibilizadas pelo Estado, e contra as burocracias do auxílio emergencial que não reconhecem as identidades de gênero e dificultam o acesso de pessoas com nome social. Contra a violência transfóbica e homofóbica que jovens vem sofrendo dentro de casa no isolamento e contra a discriminação do Estado e em atendimentos médicos. Pelo atendimento psicológico gratuito contra a solidão LGBTQIA+ e a favor da saúde mental. Pelo fortalecimento dos grupos de apoio e casas de acolhimento a pessoas LGBTQIA+ em vulnerabilidade durante a pandemia. Pelo direito de existir sem medo!
Assinam esta campanha:
A nível nacional:
– Amigos da Terra Brasil
– Repórter Popular
Alagoas:
– Cursinho Comunitário Quebrando a Banca (Maceió)
– Mulheres Resistem – AL
– Resistência Popular
Maranhão:
– Centro de Formação Saberes Ka’apor
Mato Grosso:
– Autonomia e Luta
– Mulheres Resistem
Minas Gerais:
– Movimento de Organização de Base (MOB-MG)
Pará:
– Coletivo de Mulheres em Movimento de Ananindeua (Ananindeua/PA)
– Movimento pela Soberania Popular na Mineração
– Movimento de Organização de Base (MOB-PA)
Paraná:
– Alternativa Popular (Londrina)
– Baque Mulher CWB (Curitiba)
– EMAU Caracol (Curitiba)
– Flor do Asfalto (Maringá)
– Grávidas sem Auxílio (Campo Largo)
– Movimento de Organização de Base (MOB-PR)
– Resistência Popular Estudantil
– Resistência Popular Sindical
Rio de Janeiro:
– Ação Comunitária da Zona Oeste (ACAZO)
– Centro de Cultura Social (Rio de Janeiro)
– Frente Internacionalista dos Sem Teto (FIST)
– Movimento de Organização de Base (MOB-RJ)
– Mulheres na Resistência
– Resistência Popular Estudantil
Rio Grande do Sul:
– ANTAR – Poder Popular e Antiespecista
– Articulação Libertária (Santa Maria)
– Ateneu Libertário A Batalha da Várzea (Porto Alegre)
– Clube de Mães da Periferia (Porto Alegre)
– COLEP (Porto Alegre)
– Coletivo Catarse (Porto Alegre)
– Coluna Vermelha (Porto Alegre)
– Dandaras – Coletivo de Mulheres Negras (Santa Maria)
– Escolinha Comunitária Elena Quinteros (Santa Maria)
– Espaço Iraímas (Alegrete)
– Grêmio Antifascista (Porto Alegre)
– Guandu – Grupo de Agroecologia (Santa Maria)
– Juventude Antifascista (Caxias do Sul)
– MOVA – Movimento Vegano Anticapitalista (Porto Alegre)
– Mutirão – Grupo de Trabalhadores da Terra
– Ocupação Vila Resistência (Santa Maria)
– Rádio Comunitária A Voz Do Morro (Porto Alegre)
– Resistência Popular
– SDV Reciclando (Porto Alegre)
– Tod@s – Coletivo Libertário da Serra Gaúcha (Caxias do Sul)
– Vila Boa Esperança (Porto Alegre)
Santa Catarina:
– AMORABI – Associação dos Moradores e Amigos do Bairro Itinga (Joinville)
– Barraco RAP (Florianópolis)
– Coletiva Autônoma Estudantil – COLAE (Joinville)
– Coletivo Pintelute (Núcleos Joinville e Florianópolis)
– Coletivo Ka (Florianópolis)
– Comunidade Unida da Servidão da Jaca – COMUJA (Florianópolis)
– Feijovegan (Florianópolis)
– Grupo de Teatro Aguacero – GOTA (Florianópolis)
– Movimento Passe Livre (Joinville)
– Resistência Popular Estudantil (Florianópolis)
– Rio Vermelho Solidário (Florianópolis)
– Sinasefe Litoral (Vale do Itajaí)
– Teatro Comunitário Vermelho Riu (Florianópolis)
– Zona Norte Solidária – Batalha de Rap da Zona Norte (Florianópolis)
São Paulo:
– Ação Antifa M’Boigy (Mogi das Cruzes)
– Coletivo Hip-Hop Antifas (São Paulo)
– Comitê Apoio Mútuo Jaraguá-Taipas (São Paulo)
– CUAPI – Coletivo Urbano em Apoio aos Povos Indígenas
– Cultive Resistência
– Mova Veganismo
– Movimento Autônomo pela Educação
– Núcleo Pró Movimento de Organização de Base (Mogi das Cruzes)
– Núcleo Pró Movimento de Organização de Base Jardim Ângela (São Paulo)
– Resistência Popular Estudantil (Marília)
– Resistência Popular Estudantil (Araraquara)
– Vivência na Aldeia
26 de maio de 2020
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