Carta do Fórum de Mulheres de Joinville (FMJ).

Basta de mortes e Violência contra a Mulher – Carta do Fórum de Mulheres de Joinville (FMJ)

A situação das mulheres vítimas de violência durante o isolamento social.

OPINIÃO – O isolamento social adotado para conter o avanço do covid-19 é vivenciado de forma diferente entre homens e mulheres. O machismo estrutural construído sob a ótica do patriarcado se assegura de que, neste período, as mais afetadas sejam as mulheres, sobretudo as mulheres negras, pobres e trabalhadoras. A pandemia deixa mais evidente as desigualdades e vulnerabilidades de gênero existentes.

Durante a crise e o isolamento, mulheres e meninas podem estar em maior risco de violência doméstica por parte dos parceiros e outras agressões, devido ao aumento das tensões que já acontecem no cotidiano de muitas mulheres. Ou seja, as mulheres estão mais tempo em casa, ao lado de seus abusadores, sem espaço para correr, fugir, e, muitas vezes, sem condições de realizar denúncias. Elas também enfrentam riscos crescentes de outras formas de violência baseada em gênero, incluindo exploração e abuso sexual nessas situações.

Para além disso, crianças liberadas das escolas estão sem perspectivas de um projeto educacional realmente inclusivo e de amparo neste período. Idosos necessitam de cuidados especiais, com a higienização e diversas outras obrigações. Tarefas essas que recaem nos ombros das mulheres na maioria dos lares, estruturados no modelo patriarcal.

No Brasil, país que mais mata mulheres na América Latina, as queixas por telefone aumentaram em

¹ 17,97% nos nove dias que se seguiram à data em que o confinamento entrou em vigor em vários estados. Dados do Disque 180 registraram um aumento de 9% no volume de denúncias nas últimas semanas do mês de março

Em Santa Catarina, entre os dias 1 e 17 de março, período anterior à quarentena, as mulheres registraram boletim contra a violência doméstica 3.642 vezes. Entre os dias 18 e 31 do mesmo mês, já durante a quarentena, foram 1.943 denúncias. Ou seja, elas caíram.

² Em Joinville, a segunda cidade do estado com mais registros de violência, o número de boletins registrados também caiu. Foram 210 ocorrências antes da quarentena, e 102 depois dela, até o dia 31. Os números mostram que as denúncias de violência doméstica caíram no período de isolamento. Porém, isso não significa redução dos índices de violência contra a mulher. Isso porque elas deixam de fazer as denúncias por diversos motivos. Seja por medo, falta de espaço, locomoção, acesso à Internet, entre outras possibilidades que as levam a não denunciar a violência sofrida.

Outra questão relevante: não está disponível no site da ³ delegacia virtual do Estado uma opção específica para as denúncias de ESTUPRO (Art. 213, CP); LESÃO CORPORAL RELACIONADA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (Art. 129, parágrafo 9, CP). Esses casos podem ser denunciados na opção classificada como “Outros”, dificultando a denúncia por violência doméstica e minimizando sua importância. O que pode contribuir para justificar a queda nos índices de violência contra mulher no estado.

A restrição financeira deste momento traz obstáculos para que as mulheres consigam sair de uma situação de violência, em especial, as que têm filho e não possuem perspectivas para onde ir, ficar em segurança, bem como condições para garantir o transporte às delegacias.

Neste período de isolamento, a principal orientação é que a mulher vítima de violência acione a Polícia Militar se estiver em uma situação de flagrante, ou seja, o crime tenha ocorrido há pouco tempo, para que seja feito o encaminhamento de investigação para a Polícia Civil. Sabemos que, na maioria das vezes, situações de agressões e abusos não são denunciadas na hora, por inúmeros motivos já apontados. É necessário respeitar o tempo da vítima, bem como garantir seu acesso aos atendimentos de saúde e psicossociais.

Diante disso, o Fórum de Mulheres de Joinville, movimentos sociais e organizações que o constroem ou apoiam, vem, por meio desta carta, fazer as seguintes reivindicações:

Proteção à vida das mulheres:

  • No âmbito municipal:

-Garantia dos serviços essenciais para responder ao crescimento de casos de violência contra mulheres em período de isolamento;

-Criação de um canal, coordenado e fiscalizado pelo município, para denúncia de violência contra mulheres nesse período, com atendimento 24h e nos finais de semana. Após denúncia, garantir a condução imediata da vítima aos serviços de proteção e abrigamento seguros;

-Disponibilizar os serviços de atendimento à mulheres em situação de violência nos CREAS;

-Garantir vagas nos abrigos de acolhimento para mulheres e filhos (das) vítimas de violência, assegurar o acolhimento mesmo que os equipamentos estejam fechados ou sem vagas;

-Garantir transporte para o deslocamento das vítimas;

-Garantir que os hospitais que trabalham de portas abertas tenham separação no atendimento entre suspeitos de covid-19 e as mulheres violadas;

-Patrulhamento Maria da Penha, com monitoramento dos casos de violência doméstica, sexual e feminicídios;

-Acompanhamento da mulher em situação de rua;

-Maior atenção do poder público municipal para os quadros confirmados de (4) covid-19, oferecendo às vítimas melhores condições de assistência hospitalar e acesso aos medicamentos, visto que no último boletim do município os maiores índices de contaminação estão entre as mulheres.

-Garantir assistência alimentar as famílias em situação de maior vulnerabilidade social, bem como auxílio aluguel, vale gás e vale transporte, durante todo o período de crise que seguramente, se estenderá;

-Garantir que a modalidade de Ensino a distância adotada pela Secretaria Municipal de Educação, durante esse período, confira qualidade e acesso a todas(os) alunas(os) da rede municipal de ensino, bem como a preparação e entrega dos materiais a todas(os) sem custos para os pais. Observando as dificuldades de acesso a internet, as dificuldades da língua para imigrantes e a falta de instrumentos tecnológicos adequados para o acompanhamento das aulas bem como para realização das tarefas;

-Oferecer materiais de divulgação e comunicação em outros idiomas, como Criolo e espanhol, garantindo o acesso de alunas (os) imigrantes;

  • No âmbito estadual:

    -Ampliar os horários de atendimento nas delegacias especializadas, garantido o atendimento 24h inclusive nos finais de semana, período em que ocorrem mais casos de violência doméstica e outras violências contra mulheres.

    -Garantir o atendimento com profissionais devidamente preparados e equipamentos necessários para o encaminhamento das vítimas aos serviços de saúde e proteção com total segurança;

    – Garantir o transporte das vítimas aos demais serviços;

    -Oferecer um espaço acolhedor, de escuta respeitosa, com orientações objetivas e de fácil compreensão para que a vítima se sinta segura e confortável.

  • No Âmbito Federal:

-Ampliação das equipes de atendimento do 180;

-Garantir o acesso à Renda Básica Emergencial à todas as famílias em condição de vulnerabilidade social e às mães que são as únicas responsáveis pelos cuidados e sustento das (os) filhas(os);

-Revogação da Emenda Constitucional 95 que limita o investimento nas áreas sociais, como na saúde;

-Manutenção do SUS totalmente público, com maiores investimentos públicos garantindo a qualidade e universalidade;

-Aprovação do Projeto de Lei 1291/20: de acordo com o texto da PL, os municípios deverão disponibilizar um número telefônico para as denúncias; ou atendimento pela internet por meio de um portal eletrônico ou aplicativos de celular gratuitos. Além disso, a proposta também estende as medidas protetivas já em vigor até o final do estado de emergência, que por lei vai até 31 de dezembro deste ano. O projeto foi apresentado pela bancada feminina da Câmara de Deputados.

Assinam a carta:

*CDH – Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz

*Ashanti- Coletivo de Mulheres Negras de Joinville

*Baque Mulher Joinville

*Coletivo Anarquista Bandeira Negra

*Coletivo Ysteria

*Juventude Manifesta Santa Catarina

*Unidade Classista

*CEBI

Fontes:

1- https://jornaldebrasilia.com.br/nahorah/violencia-domestica-aumenta-durante-isolamentosocial-na-america-latina/

2- https://omunicipiojoinville.com/registros-de-violencia-domestica-caem-na-quarentena-em-joinville-mas-delegada-acredita-em-queda-de-denuncias/

3- https://delegaciavirtual.sc.gov.br/inicio.aspx

4- https://www.nsctotal.com.br/noticias/coronavirus-em-joinville-estado-confirma-114-casos-na-cidade

 

Sede CDH Joinville

e-mail: forumdemulheresdejoinvillesc@gmail.com

Facebook: Fórum de Mulheres de Joinville

www.centrodireitoshumanos.org.br