Tá caro viver: aluguel na pandemia

Em tempos de pandemia, escolher entre o aluguel e o alimento é a realidade de muitas pessoas por todo o país. É por isso que, neste contexto, cresce muito a busca por alternativas de amparo jurídico que possibilitem priorizar a alimentação sem correr o risco de um despejo.

Com uma boa observação sócio-histórica do Brasil, fica nítida a causa da imensa desigualdade existente no país. Invasão territorial, escravidão, questões de acesso à terra, agronegócio, êxodo rural, inchaço das cidades, periferias. De acordo com dados do IBGE, são 13,5 milhões de pessoas em pobreza extrema, ou seja, sobrevivendo com menos de 145 reais mensais (perto de 16% da população brasileira). Enquanto isso, 28% da riqueza do país se concentra na mão de 1% de pessoas bilionárias.

Este panorama é importante para entendermos a quantidade de pessoas que vivem de aluguel no Brasil. A casa própria não é a realidade para a maioria da população, além do número crescente de pessoas que se encontram em situação de rua. Durante o período de quarentena, tem se escancarado o nível de exploração das trabalhadoras e a impossibilidade de muitas famílias para garantir a alimentação, a higiene e o pagamento de aluguéis e outras contas. Após os efeitos da Reforma Trabalhista de 2017, vivemos um momento em que os empregos são – em sua maioria – frágeis no que diz respeito aos direitos trabalhistas e uma parcela crescente trabalha como autônoma, para quem não há renda garantida sem o trabalho diário. Pensando especialmente nestes setores da população precisamos lembrar que o aluguel é um dos principais gastos dos lares brasileiros.

Assistimos diariamente ao aumento de casos da Covid-19 e as previsões indicam que o pico da epidemia será entre abril e maio, trazendo um sério risco de colapso do Sistema Único de Saúde. A medida preventiva de maior funcionalidade é aquela que contribui com a diminuição das curvas de contaminação, no caso, o isolamento social – ou, referenciando a jornalista Eliane Brum, o isolamento físico.

Para permitir a possibilidade do isolamento, já há algumas medidas em vigor no país, como a suspensão de cortes do serviço de eletricidade por falta de pagamento, medida ampliada em alguns estados também para as contas de água. Além disso, foi criado um auxílio emergencial ao cidadão, aberto para cadastro no dia 06 de abril, após uma dura espera de milhões de brasileiros. No entanto, sua amplitude e efetividade só será conhecida nas próximas semanas.

Há outros projetos de lei em tramitação que buscam proibir despejos, assim como os que propõem a suspensão e negociação do pagamento de aluguéis até outubro. Porém, frente à burocracia e desinteresse das políticas estatais se faz urgente que haja estratégias que permitam a sobrevivência com saúde e o isolamento da maioria da população.

Possibilidades Concretas

São muitas as oportunidades que se abrem a partir da organização popular feita nos bairros, comunidades e redes na internet. Esses espaços de apoio podem fazer com que as famílias se sintam seguras em priorizar a alimentação e a higiene, sem serem despejadas de suas moradias.

Para isso, encontram-se diferentes documentos na internet que servem como modelo para a negociação com proprietários. Um deles foi construído por um coletivo de mulheres de São Paulo que percebeu a necessidade de auxiliar inquilinas juridicamente a fazer essas negociações. A partir disso, quatro advogadas elaboraram um modelo de reajuste contratual para ser utilizado pelas inquilinas. O documento está disponível aqui e tem sido utilizado por pessoas de vários estados do Brasil.

Em entrevista, Nathalia de Campos – uma das advogadas do coletivo – nos contou sobre a repercussão do documento e as possibilidades jurídicas em relação ao assunto. Trazemos a seguir alguns trechos da entrevista.

RP: Você sabe de alguma pessoa que utilizou o documento? Como estão sendo essas experiências?

Sim, recebo todos os dias relatos de pessoas que conseguiram negociar não só aluguéis, mas que usam o modelo como fundamentação para outras contas. O curioso é que a procura veio de pessoas de todas as classes, desde aluguel de um quarto por R$300 até mesmo de digital influencer com aluguel de R$6000,00 estamos todos preocupados. Um tipo de anistia de contas deveria ter sido elaborada pelo próprio governo. Estamos vendo vários países tomando medidas para onerar o mínimo possível a população, não é justo falar “fiquem em casa” e não dar soluções que de fato ajudem as pessoas. Esse é o papel do Estado. É para isso que pagamos impostos, estamos negociando os aluguéis e não há nada ainda que isente o IPTU, por exemplo. Quem tem fome tem pressa.

RP: Tendo em vista que muitas pessoas não terão de onde tirar renda para negociar valores menores de aluguel, você acha que com aquele documento é possível negociar para não pagar o aluguel?

Negociar é sempre possível. Temos orientado as pessoas a mandarem propostas que consigam arcar para que os proprietários também saibam como organizar sua renda, até para não configurar um enriquecimento ilícito. Não pagar nada vai depender muito da relação de cada um, histórico de pagamento, etc. Por isso eu reafirmo que isso terá que ser uma medida feita pelo executivo, estamos em uma situação de calamidade pública e sem nenhum governo para nos apoiar.

RP: Como achar uma saída para pessoas que têm como única renda o aluguel que vem de sua inquilina?

Também terão que negociar suas contas, entrar em contato com o credor e explicar a situação e, se preciso, provar de onde vinha sua renda e mostrar que não tem condições de arcar com isso. Nesse momento a regra é bom senso, estamos vendo pessoas que não estão conseguindo dialogar valores, nesse caso eu aconselho a procurar um advogado para que possa ver seu caso em particular, tanto como inquilino como proprietário.


Além deste, encontramos um documento escrito pelo advogado Victor Rodrigues N. V., que é um modelo de pedido de isenção e/ou redução de aluguel em tempos de coronavírus e o documento do advogado Samuel Sousa Júnior que é um modelo de notificação para revisão de locação comercial.

A divulgação desses materiais e informações é uma forma de estimular as pessoas pobres a não pagarem pela crise. Grande parte da riqueza produzida por todas as trabalhadoras do país está nas mãos de poucos, que são as pessoas que devem arcar com a pandemia. Quando existe uma escolha entre pagar as contas aos proprietários ou nos alimentar, que a decisão seja pelo fim da desigualdade, na construção da vida digna a todas.

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