Extremamente irônico, criativo e crítico, o grande diretor Miguel Gomes, no primeiro volume de As mil e uma noites, mostra ao mundo de forma inventiva os sérios problemas enfrentados por Portugal (mas o filme coloca-se em posição universal) a partir de um plano de austeridade imposto ao país nos últimos anos. (A história do país é recheada de problemas sociais, desde quando Portugal começou sua queda de poderio bélico e econômico nos séculos 17 e 18, quando do final da exploração do ouro no Brasil. Os portugueses só conheceram a república, por exemplo, no século 20, depois de sua ex-colônia, o Brasil.)
De maneira única, o diretor cria uma atmosfera que começa num tom documental e aos poucos vai à ficção, flertando com a fantasia, e tem seu resultado final em uma análise sobre toda população de portuguesa, em todo seu âmbito. É com muita habilidade que o diretor brinca entre uma abordagem séria, realista, e uma fantástica e risonha, alertando talvez para a impossibilidade de se levar a sério aquela vida.
O cinema português parece gostar de filmes monumentais (tal como o próprio sentimento de grandeza que o país cultiva há séculos) – vide, no cinema, a obra-prima Mistérios de Lisboa, de Raul Ruiz. O filme, ao fim e ao cabo, é como um testamento de Portugal (e do mundo) frente a medidas canalhas de austeridade num mundo globalizado e neoliberal.
Rodrigo Mendes
