E agora Bolsonaro?

19 de maio de 2019, Bruno Lima Rocha

Vou tentar refletir para além da ironia, sendo que a primeira versão deste texto saiu na madrugada de 17 de maio. Está difícil, mas vamos lá. Na 6ª escutei a primeira parte do programa diário de Reinaldo Azevedo, em rede nacional, na Band News. Ele simplesmente estraçalhou o presidente eleito, julgando-o acertadamente por haver compartilhado um texto anônimo – não tão anônimo assim, já me revelaram – onde simplesmente ele, Bolsonaro, se levasse a cabo o que ali estava escrito, deveria desistir. Reinaldo Azevedo pediu em rede nacional a renúncia do Coiso, isso estourando uns dois milhões de ouvintes. Por mais que o âncora que saiu da Veja e é autor de boa parte dos neologismos lacerdistas tenha independência editorial, a dimensão do atrevimento é proporcional ao desastre do desgoverno Bolsonaro.

Vamos aos fatos. Um presidente da república, por mais alucinado que seja – e este ultrapassa Jânio Quadros em seus momentos mais transloucados – não pode postar na internet como se fosse um deputado chauvinista aferrado à sua própria base de ressentidos da caserna. Ocorre que Bolsonaro se comporta exatamente assim, e já circula certa convicção – dita em alto e bom tom por outro ícone do udenismo, Luiz Felipe Pondé, na tarde de sexta 17 de maio na Rádio Guaíba de Porto Alegre – onde mesmo a direita reconhece que não há nem plano de governo e tampouco as infelicidades do Twitter (como o chuveiro dourado) se tratam de tática. É linha mesmo. Não tem manobra, e o plano – se é que há – é literalmente incendiar o país, ainda que com temas de ódio e intolerância.

É sintomática a revelação através de vazamento do MPRJ do sigilo bancário do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e de 88 ex-funcionários do gabinete deste quando deputado estadual e do próprio pai. Se levantarem a cortina, literalmente pode aparecer de tudo, de tudo. Se Queiroz abrir a boca, outro tanto pode saltar. A soma da sandice, das suspeitas, da incompetência, do desmando (como na demissão do presidente do INEP com 17 dias no cargo), das derrotas no Congresso (uma depois da outra) vai ao encontro de duas situações únicas. Do lado direito do jogo político, os grupos de mídia que saíram perdendo querem forra. Abril, Estado, Folha e Globo, além de IstoÉ, querem recuperar o espaço perdido e apostam as fichas primeiro em Rodrigo Maia e talvez ainda salvem Sérgio Moro, talvez. Do lado mais à esquerda, e com razoável unidade, o protesto de 15 de maio representou a possibilidade concreta da sociedade brasileira não se render.

Parece que a ficha vai caindo, afirmando o óbvio: Bolsonaro não tem jeito, que a aposta das direitas foi muito errada, e que este governo pode levar o país ao caos. O vice é potável para o andar de cima, sendo o segundo consenso na era Coiso a afirmação de que a ala militar é o que resta de capaz e competente no governo. É pouco, muito pouco. Paulo  Guedes, Chicago Boy de  carteirinha e “superministro” da Economia parece que perde seus superpoderes e os de Moro têm mais kriptonita do que o Vigilante estaria disposto a engolir. Bolsonaro se auto sabotou duas vezes ao menos esta semana, se desmentindo quanto à vaga de Moro no STF (teria ou não acertado?) e depois com o texto macabro, produzido por um mentecapto financista do Rio de Janeiro. As outras peripécias foram mais do mesmo. Enfim, parece que realmente não há saída, ainda que Olavo de Carvalho tardiamente se retire de campo – algo que vejo quase como impossível.

Não seria de se duvidar um “afastamento” do presidente por razões de saúde, talvez após a realização da Copa América do Brasil. Há evidente descontrole e o próprio Paulo Guedes parece não ter mais a energia necessária para executar a liquidação do país. Mas, reparem, vejo o momento como de desgaste de Bolsonaro, protagonismo de Rodrigo Maia e preservação de Hamilton Mourão. Estaria cedo para alguma visibilidade de impeachment – o trânsito deveria ser perfeito dentro do rito, tal como Eduardo Cunha o fez com Dilma Rousseff – e creio que este governo pode se acostumar a viver na crise. O que certamente algo que a direita não bolsonarista não aturaria. Temer foi duro na queda e se manteve no cargo contra a PGR e a Globo ao mesmo tempo. Não sei se Bolsonaro aguenta tanto, e lembremos que a PGR ainda não entrou no circuito, mas o MPRJ sim.

A Câmara parece que vai andar sozinha e tentar aprovar um substitutivo da Reforma da Previdência por conta própria. Maia também aventa andar com alguma reforma tributária, “sinalizando” para os agentes de mercado sua solidez. Por esquerda, se a organização em defesa da universidade e da educação pública brasileira acumular por mais um mês, teremos a chance de reverter a sanha reacionária, ao menos em parte. Governo não cai de podre, mas se derruba ou tem o tapete puxado por quem o estendeu.

Há que se perguntar sempre. Será que o vice Mourão vai entrar na etapa acelerada tipo Itamar Franco em 1992, se escondendo do titular para entrar em campo através dos “braços dos poderes restantes”? Quem mandou trocar a farda pela demagogia na internet reacionária? A cada dia, Hamilton Mourão pode ser a chance de assumir o governo e perder de vez o prestígio das Forças Armadas na sociedade brasileira. Será que Villas-Bôas ainda pode arbitrar esta aventura?

Bruno Lima Rocha é cientista político, pós-doutorando em economia política, professor de relações internacionais e de jornalismo; e participa do Grupo de Pesquisa Capital e Estado (https://capetacapitaleestado.wordpress.com/)

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