Setor de comunicação do Movimento de Organização de Base do Rio de Janeiro (MOB-RJ)
Desde o início do ano, a população fluminense se surpreendeu com a água saindo de sua torneira, com forte cheiro de amônia e gosto de barro e cor turva ou até marrom. Tal situação era ainda mais crítica na região da baixada fluminense e nas zonas oeste e norte da capital. Inúmeros casos de doenças estouraram em toda a região metropolitana, com sintomas de diarréia, vômito, febre, etc, lotando o já sucateado sistema público de saúde.
Novamente, a conta recai mais e mais sobre a saúde e o bolso das trabalhadoras e trabalhadores, que quando não estão gastando comprando água mineral, ou optando entre pagar as contas e beber água potável, tiveram que arcar com remédios ou perder seus dias de trabalho nas filas do SUS.
Mas o que está por trás da crise da água no Rio de Janeiro?
É inegável que existem décadas de descaso do poder público para com o sistema de abastecimento de água e de saneamento básico no Rio de Janeiro. Temos Belford Roxo (4,52%), Nova Iguaçu (0,15%) e São João de Meriti (0%), três cidades da Baixada Fluminense, no ranking dos 10 piores municípios por esgoto tratado no Brasil.
Mas se esse descaso não é novidade, nos últimos anos temos assistido uma política ainda mais grave: um verdadeiro desmonte desse serviço público. Na esteira das atuais – e cada vez mais profundas – políticas de venda dos patrimônios públicos, a CEDAE se tornou um dos maiores alvos dos olhares gananciosos dos empresários. Vale lembrar que a empresa, que recebeu prêmios de “maior empresa de infraestrutura” da revista Exame em 2019 e 2018, sempre apresentou uma receita lucrativa.
Em fevereiro de 2017, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) votou um projeto que autoriza a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE). A medida não passaria sem a resistência da população: milhares de pessoas foram às ruas defender seu direito à água e saneamento. Ignorando uma grande manifestação que se concentrava a sua porta, a assembleia aprovou o projeto por 41 votos a 28. A manifestação segue para a companhia, onde sofre uma repressão abrupta da tropa de choque, resultando em dezenas de detenções de manifestantes. Era dada a largada para a venda da CEDAE.
Ao assumir o governo do estado, Wilson Witzel recebe diversas indicações do presidente de seu partido (PSC), o pastor Everaldo. Assume então Hélio Cabral, um dos principais réus na tragédia anunciada em Mariana, com rompimento da barragem do Fundão causado pelo descaso da grande mineradora Vale S.A, que segue impune e distribuindo dividendos bilionários aos seus acionistas. O Ministério Público acusa Hélio Cabral de homicídio de 19 pessoas, uma vez que há provas de que ele, enquanto conselheiro da Samarco, mineradora subsidiária da Vale, sabia dos riscos da barragem, mas colocou os lucros da empresa na frente das vidas das pessoas.
Uma de suas primeiras medidas como presidente da CEDAE foi a demissão de 54 funcionários da Companhia, que em sua maioria eram engenheiros de carreira, com cerca de 40 anos de trabalho na estatal. Essa demissão em massa atingiu os pilares estruturais da empresa, desestabilizando todas as suas atividades.
Em meados do ano passado, foi registrado que o lucro da CEDAE triplicou – alcançando R$ 832 milhões de reais. Mas, ao mesmo tempo, houve uma queda absurda na qualidade de seu serviço, que teve quatro vezes mais reclamações em comparação ao ano anterior. Ficava cada vez mais nítido que a busca por melhores receitas na empresa se tornou proporcional ao seu sucateamento, a fim de forçar a venda da companhia.
Sem rodeios, Witzel deixou bem clara a sua intenção de realizar a privatização da CEDAE em 2020, anunciando esta como uma de suas principais pautas para esse ano. Enquanto o serviço era sucateado, a empresa era oferecida aos empresários.
O resultado desse processo tão logo foi percebido: os mananciais hídricos foram gravemente degradados e a água distribuída foi contaminada. Sem seu corpo técnico completo, a companhia mostrou-se incapaz de solucionar o problema.
No dia 3 de fevereiro desse ano, novamente vemos uma nova crise: uma quantidade enorme de detergente é encontrada no reservatório do Guandu, interrompendo seus serviços. Segundo a presidência da empresa, o produto teria sido arrastado pelas chuvas. A interrupção chegou inclusive a afetar o início do ano letivo no município.
Mas como a privatização da CEDAE afeta nossas vidas?
O Brasil é o país que abriga as maiores bacias hidrográficas do mundo. No entanto, a água já demonstra sinais de escassez pelo mundo, sendo eleita como a próxima commodity a ser disputada – muitos apontam que ela terá o papel no século XXI equivalente ao do petróleo no século XX.
A CEDAE hoje atende 64 municípios fluminenses. Apenas a Estação de Tratamento de água do Rio Guandu abastece mais de 9 milhões de pessoas da região metropolitana do estado.
Em meio à crise, Witzel anuncia um novo modelo de concessão: a CEDAE permaneceria gerindo os sistemas hídricos, realizando todo o sistema de captação e tratamento, enquanto as concessionárias ficariam responsáveis apenas pela distribuição e coleta de esgoto.
Ou seja: todo o trabalho técnico, que requer a infraestrutura e os recursos para o tratamento da água continuaria sendo responsabilidade pública, enquanto a venda passaria para a iniciativa privada. Como de costume nas políticas neoliberais, o gasto é público, o lucro é privado.
Caso o serviço de distribuição de água e saneamento sejam privatizados, certamente contaremos com o aumento significativo das contas, aumentando ainda mais o já penoso custo de vida da população fluminense.
Além disso, como ficariam as comunidades que já não são atendidas por esses serviços, realidade vivida por milhares de pessoas? Qual responsabilidade social a iniciativa privada teria com essas pessoas? E o que aconteceria com a parcela da população que não tem condições de pagar por esse serviço?
Witzel chantageia a população fluminense, colocando a privatização como pré-requisito para a despoluição. Ora, a população necessita da despoluição hoje!
A fim de denunciar essa situação e defender o direito à água limpa, moradores do Rio organizaram algumas manifestações na cidade. A próxima está marcada para o 11 de março, quarta feira, às 15h na entrada da Central do Brasil. É fundamental que o povo se manifeste nesse momento crítico.
A água é um direito inalienável, necessário à vida da população. E direito não se negocia, não se vende. É preciso defender os direitos do povo, com luta e organização popular!