Vila Boa Esperança é premiada mas reitor não retira pedido de reintegração de posse

A premiação para a Vila Boa Esperança no Salão UFRGS 2017 expõe as contradições de uma Universidade que, no discurso, afirma dialogar com os setores populares, mas, na prática, nega diálogo com as comunidades do entorno. Por Gustavo Ruwer, extensionista e militante da Resistência Popular

Foto: Gisele Endres

Na sexta-feira, dia 20 de outubro, o Salão de Atos da UFRGS lotou para assistir a premiação dos trabalhos apresentados no Salão UFRGS 2017, que teve como temática “Universidade Múltipla, Inovadora e Inspiradora”. No eixo Extensão, que busca trabalhar a interação da Universidade com as comunidades, 386 trabalhos foram apresentados nas Tertúlias ao longo da semana. No dia 18, na Sessão “Direitos Individuais e Coletivos”, foi a vez do GAJUP (Grupo de Assessoria Jurídica Popular, projeto ligado ao SAJU) apresentar o à defesa da Vila Boa Esperança. A ação apresentada foi destaque da sessão, e além disso, uma das 10 premiadas na Sessão de Encerramento do Salão UFRGS 2017.

De cartaz em punho, com os dizeres que marcaram a UFRGS nos últimos meses – VILA BOA ESPERANÇA RESISTE! – a estudante de direito Francesca Carminatti subiu ao palco e recebeu a premiação diretamente das mãos do reitor Rui Vicente Oppermann. Desde o início do ano, Oppermann é responsável por mover uma ação de reintegração de posse contra a comunidade, negando diálogo por muito tempo.

Reitor da UFRGS descumpre promessa

Após muitos meses de pressão, Oppermann declarou que a UFRGS não tem mais interesse na área, em audiência na Assembleia Legislativa, no dia 17 de agosto. Mesmo com a promessa, até agora, nenhum acordo foi formalizado. Para Erondina Sarturi, presidenta da Associação de Moradores da Vila Boa Esperança o reitor está “empurrando com a barriga”:

Na realidade, ele falou aquilo da boca pra fora, porque ele tava na frente de um monte de gente, dentro de um poder público. E como ele falou, ele não quer manchar a biografia dele com uma reintegração de posse. Então, enquanto ele não está manchando a biografia dele, ele tá empurrando com a barriga, pra, futuramente, um outro reitor vir a sujar a biografia.” – Erondina Sarturi

Para Djeison Diedrich, advogado participante do GAJUP, na prática, a declaração do reitor não tem validade, já que no processo judicial não houve nenhuma manifestação da UFRGS nesse sentido. Pelo contrário, a UFRGS recuou em seu compromisso de executar um laudo geológico que avalie os possíveis riscos que a área apresenta. A justificativa, seria uma suposta “animosidade dos moradores”, como se os servidores corressem risco de entrar na comunidade. Para o advogado, tal afirmação é uma bobagem, já que a comunidade sempre esteve aberta ao diálogo com a Universidade e quem negou foi a própria reitoria. Com alteração, a elaboração do laudo geológico passa a ser responsabilidade da própria comunidade, o que acaba atrasando a apuração de possíveis riscos, e por consequência, atrasando a decisão judicial sobre a possibilidade de concessão de uso da área para fins de moradia. Desde agosto, o Coletivo Ambiente Crítico inicia parceria com a comunidade para a elaboração do laudo.

Vila Boa Esperança: exemplo de luta, organização e solidariedade

Toda ajuda, até hoje, que os apoiadores tão dando para a comunidade é muito importante. Gostaria que mais pessoas ajudassem, não só a nossa comunidade, mas várias outras que precisam de ajuda. E conhecer todo mundo que a gente tá conhecendo tá sendo o máximo”. – Erondina Sarturi

Os últimos meses foram de muita persistência dos moradores, representados pela Associação Comunitária da Vila Boa Esperança e apoiados por estudantes que integram o Comitê de Solidariedade à Vila Boa Esperança. A rede de apoiadores reuniu participantes de projetos de extensão, diretórios acadêmicos e coletivos de diferentes cursos da UFRGS.

 

Vila Boa Esperança

Posted by Gilnei J. O. da Silva on Friday, June 9, 2017

Ato realizado no dia 9 de junho no campus central da UFRGS.

Tripé ensino-pesquisa-extensão e suas contradições

A premiação para a Vila Boa Esperança no Salão UFRGS 2017 expõe as contradições de uma Universidade que, no discurso, afirma dialogar com os setores populares, mas, na prática, nega diálogo com as comunidades do entorno.

É muito contraditório. Justamente a forma que a UFRGS deveria se relacionar com as comunidades ao redor deveria ser com através da extensão, através do fortalecimento comunitário e da contribuição para efetivação de direitos e não pedindo pra executar reintegração de posse.” – Djeison Diedrich

Essa contradição não foge da lógica que permeia o ensino superior brasileiro. Embora a Constituição Federal defenda a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, na prática, o pilar da pesquisa e da inovação tecnológica acaba sendo supervalorizado e a extensão universitária ficando em último plano. Isso se evidencia quando se compara o período de duração da bolsa de extensão, que vai de maio a dezembro com uma bolsa de iniciação científica, que dura o ano inteiro.

Em meio a tantas incoerências no sistema educacional, o exemplo de luta travada pelos moradores da Vila Boa Esperança e seus apoiadores é um exemplo real de extensão popular. Ou seja, uma prática extensionista ligada às demandas de movimentos sociais e comunitários. Um caminho de possibilidades rumo à uma Universidade verdadeiramente pública, democrática e popular.

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Foto: Felipe Rossau