Um bom filme para encerrar o ano

Bons filmes hoje em dia são raros. Nos últimos anos atrofiamos a capacidade de produção cinematográfica, principalmente com os filmes Marvel, mas não só. A indústria do cinema, com o advento dos streamings, foca em produções estéreis, pura mercadoria para agradar ao maior público possível no menu de filmes das Netflixs. Contudo, sempre há os filmes que se acham nos escombros das mercadorias e sobressaem como possiblidades de realização da sétima arte que valem a pena. Monstro, de Koreeda, hoje nos cinemas, é um exemplo.

Hirokazu Koreeda é um cineasta japonês da penúltima geração – pensando naqueles que começaram a produzir em meados dos anos 80, como os irmãos Coen e Paul Thomas Anderson nos Estados Unidos, Walter Salles no Brasil, irmãos Dardenne na França e Juan José Campanella na Argentina, por exemplo. Geração, portanto, anterior ao boom dos filmes de super-herói e dos programas de streaming. Eu o conheci no belo drama Boneca inflável (2009), que tratava da dissolução das relações pessoais e da queda do humano no capitalismo contemporâneo, fazendo surgir a subjetividade em um objeto sexual, o que aumenta a ironia.

Ao longo de sua filmografia, o diretor explorou temas familiares, relações interpessoais, os sentimentos mínimos e íntimos que compõem as pessoas e as tornam humanas, seja pela contradição, pela dúvida, por amor, ódio, egoísmo. Em 2018 foi premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes com o longa Assunto de família, que aborda uma família um tanto tresloucada que revela não só, mas também por isso, a desigualdade de classe em uma cidade do Japão. Monstro, seu último longa, mantém a verve do cinema como experiência humana e possibilita uma imersão interessante no mundo infanto-juvenil em certa cidade do país oriental.

A história dos dois colegas em meio ao bullying e omissão da escola, entre as violências domésticas, as péssimas relações familiares, os traumas de infância, a descoberta de sexualidade, é mostrada com a sensibilidade característica do diretor e permite, assim, que exerçamos a empatia com aqueles personagens, que transmitem a hesitação e sentimentos que conhecemos, ao menos um pouco. A estrutura narrativa lembra o Tarantino de Jackie Brown, indo e voltando na mesma cena com pontos de vista diferentes, sugerindo e cancelando leituras interpretativas, criando camadas de significação. Também dialoga com a tradição cinematográfica japonesa: aqueles rumores, birras, individualismos nos fazem lembrar da família complicada de Era uma vez em Tóquio (1953), de Yasujirô Ozu, que nem a morte pode arrefecer.

São raros, mas os filmes bons seguem sendo produzidos. Há o problema da má distribuição – aqui em Porto Alegre/RS, somente uma sala estava exibindo o filme. Num contexto de apagamento da experiência no cinema, sempre bom quando encontramos um objeto artístico assim. – Encerramos aqui as colunas de 2023; no próximo ano voltamos com a coluna mensal.

Rodrigo Mendes