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Qual a responsabilidade dos mais ricos pela crise climática no RS?

Imagem da capa: Fotos divulgação e edição do Repórter Popular.

Por Repórter Popular RS e PR

A investigação do Repórter Popular divulgada recentemente chamou atenção para a disparidade entre o investimento privado na mitigação da crise climática no Rio Grande do Sul e a solidariedade popular. A matéria repercutiu e gerou debates, questionando se a iniciativa privada tem mesmo responsabilidade em ajudar a população gaúcha a enfrentar essa tragédia anunciada que afeta praticamente todo o estado.

Nesse texto, buscamos chamar a atenção para alguns pontos que ajudam a compreender a parcela de responsabilidade da elite econômica, os super-ricos, no desastre climático atual.

Elite poluidora 

Diversos estudos indicam que os possuidores de grandes fortunas desempenham um papel significativo nos impactos ambientais globais. Segundo relatório da ONG Oxfam, um bilionário emite, em média, 1 milhão de vezes mais poluentes do que uma pessoa comum. O estudo revelou que os investimentos de 125 bilionários nas maiores empresas do mundo produzem, em média, 3 milhões de toneladas de CO2e (equivalência em dióxido de carbono) por pessoa anualmente.

Além dos impactos causados pelos investimentos, o estilo de vida dos mais ricos também está acelerando as mudanças climáticas. O pesquisador Stefan Gössling, professor da Escola de Negócios da Universidade Linnaeus (Suécia), analisou o consumo individual dos mega-ricos destacando atividades como voos frequentes, que resultam em enormes pegadas de carbono. Os resultados chamam atenção pelas enormes pegadas de carbono emitidas pela elite econômica. A pegada de carbono é como se fosse uma marca de pegada que deixamos no planeta, de acordo com o tanto de gases de efeito estufa que emitimos para a atmosfera.

Um relatório do Painel Internacional de Recursos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) ressalta as disparidades em relação a extração de recursos naturais entre paísesConforme o estudo, países ricos usam seis vezes mais recursos naturais e geram 10 vezes mais impactos climáticos do que países de baixa renda.

Especulação imobiliária e agronegócio

No Brasil, o agronegócio e a especulação imobiliária são responsáveis pela degradação ambiental. Políticas que facilitam a destruição de biomas e flexibilizam a proteção ambiental têm resultado em danos significativos aos territórios indígenas e ao combate às queimadas e ao desmatamento. Uma denúncia da plataforma Forests & Finance, publicada em reportagem no Repórter Brasil, revelou que o ItaúBanco Safra e outras instituições financeiras subsidiaram frigoríficos que contribuíram para o desmatamento ilegal na Amazônia.

Uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) descobriu que esses frigoríficos compraram 27 mil cabeças de gado identificadas com irregularidades em sua origem. Dentre as ilegalidades, estão propriedades flagradas com trabalho escravo, fazendas embargadas por órgãos de fiscalização e com boiadas pastando dentro de territórios indígenas, quilombolas e áreas de conservação.

O Melnickstão

Em Porto Alegre, empresas como Melnick, Zaffari e Cyrela Goldsteinimpulsionaram projetos urbanísticos que degradam o meio ambiente. A gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) é criticada por incentivar esse modelo de desenvolvimento urbanístico que favorece os interesses do mercado financeiro, flexibilizando leis e alterando diretrizes urbanísticas.

O professor de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Eber Marzulo, explicou ao podcast do Sul 21 que a redução da cobertura vegetal e o aumento da pavimentação resultam em ilhas de calorintensificam as chuvas e resultam em inundações. Esse modelo de desenvolvimento, em vez de preparar a cidade para a crise climática, acaba aumentando os efeitos dela.

Em Canoas (RS), uma das cidades mais afetadas pelos alagamentos, um documentário denuncia impactos ambientais causados pela instalação de uma loja da Havan, em 2021. À época, ambientalistas alertaram que a “chegada da rede varejista abriu caminho para a devastação da última grande área verde na cidade da Região Metropolitana (RS)”.

A série do Sul 21 “Donos da Cidade” mapeia os projetos imobiliários especiais lançados em Porto Alegre (RS) na última década e demonstra como leis foram criadas e regras urbanísticas alteradas para atender interesses de alguns poucos empresários, incluindo as empresas Melnick, Zaffari, Cyrela, dentre outras.

Uma das regiões da capital mais impactadas pelos projetos urbanísticos é a orla do Guaíba, que foi duramente afetada pelo alagamento. O projeto imobiliário “Pontal do Estaleiro”, da construtora Melnick, foi aprovado desobedecendo “diretamente a legislação federal que trata das Áreas de Preservação Permanentes (APPs) — áreas protegidas pelo código florestal brasileiro pela sua importância na preservação de recursos hídricos e biodiversidade locais”, conforme revela o estudo de Anapla divulgado na plataforma Medium.

Ou seja, a lista de contribuições dos super-ricos para a crise climática é extensa e é inegável que a devastação ambiental provocada por eles tem ligação direta com o que ocorre no Rio Grande do Sul. E isso também se deu através do poder de influência que essas elites econômicas têm no Estado, já que são influenciadores e financiadores diretos de projetos de lei que devastam o meio ambiente e, consequentemente, causam tragédias.

O governador do RS, Eduardo Leite (PSDB), tão logo o desastre se instalou, correu para afirmar que “não é hora de se apontar culpados”. Mas, não há como superar a crise sem responsabilizar os causadores dela entre os quais também estão os políticos, como o próprio governador, que afrouxou regras ambientais e alterou quase 500 normas do Código Ambiental do RS. Mas, esse é assunto para uma próxima reportagem.